Você é atravessado por trilhões dessas partículas-fantasmas a cada segundo
Durante anos, o físico Ray Davis insistia, contra tudo e todos, que algo estava errado com o Sol. Seu experimento, desenhado para contar quantos neutrinos eram emitidos pelo astro, discordava da previsão dos modelos que descreviam como o Sol produzia sua energia. Ninguém acreditava em Davis, afirmando que seu experimento não poderia estar certo.
Contar neutrinos individualmente, como se fossem bolinhas de gude, não era possível, ao menos não quando eram tão poucos. Essencialmente, o Sol é uma gigantesca usina nuclear. A energia que produz a radiação que nos aquece e que ilumina nossos dias vem da fusão de hidrogênio em hélio na sua região central, o mesmo processo que ocorre na detonação de uma bomba de hidrogênio. Os neutrinos são produtos dessa fusão, transportando energia para fora do Sol.
Eles podem fazer isso devido às sua propriedades extremamente bizarras: neutrinos são conhecidos como partículas-fantasmas, raramente interagindo com outras partículas de matéria. Conseqüentemente, podem atravessar paredes e mesmo planetas como se estivessem viajando pelo espaço vazio. Dia e noite, você é atravessado por vários trilhões de neutrinos por segundo.
É dessa ordem de grandeza número de grãos de areia na praia de Copacabana. Mesmo que neutrinos sejam como fantasmas, como há muitos deles saindo do Sol, de vez em quando um colide com uma partícula de matéria. Essa colisão é o cerne do experimento de Davis. A energia da colisão pode ser medida e, dela, o número de neutrinos pode ser estimado. Quando Davis comparou o resultado de seus experimentos com as previsões da teoria, notou uma discrepância grande.
Existiam apenas três explicações: ou seu experimento estava errado ou o modelo que explica a geração de energia do Sol estava errado -ou os neutrinos são ainda mais estranhos do que imaginávamos. Os astrofísicos insistiam que os modelos estavam certos. Davis insistia que seu experimento estava certo.
Foi então que uma explicação foi proposta, explorando uma possibilidade bizarra até mesmo para os neutrinos. A física de partículas havia determinado que existem três tipos de neutrinos. Os produzidos no centro do Sol são conhecidos como neutrinos do elétron. Os outros dois são os neutrinos do múon e os do tau, partículas parecidas com o elétrons só que mais pesadas.
Os neutrinos são como Sancho Pança, sempre fiéis aos seus Quixotes (os elétrons, os múons e os taus), aparecendo em certas reações em que essas partículas surgem. Segundo essa explicação, o truque dos neutrinos é que eles são capazes de se transformar uns nos outros quando viajam longas distâncias.
Portanto, se um experimento é sensível a apenas um tipo de neutrino, ele detectará menos do que o previsto, já que alguns deles terão se transformado nos outros dois tipos durante a viagem. Foi por isso que Davis mediu menos neutrinos do que o previsto. Dito e feito: outros experimentos confirmaram que a oscilação entre os neutrinos ocorre mesmo.
No Japão, um detector de neutrinos foi construído numa mina abandonada, um tanque com 50 mil toneladas de água pura. Outros dois operam no Canadá e nos EUA. Finalmente, o truque dos neutrinos foi desvendado. Davis ganhou o Prêmio Nobel e ficou claro que entendemos como o Sol brilha. E que continuará a brilhar e a criar neutrinos por mais 5 bilhões de anos.
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