domingo, 4 de agosto de 2013

O difícil problema da consciência


Como um apanhado de 80 a 100 bilhões de neurônios gera a experiência que temos de sermos nós?

Gostaria de retornar a um assunto que deixa muita gente perplexa, inclusive eu: a natureza da consciência e como ela "surge" no nosso cérebro. Se você acha que sabe a resposta, provavelmente não entende a questão. Nenhum cientista ou filósofo sabe como respondê-la.

Existem vários modos de formular a questão, mas eis um: como o cérebro, um apanhado de 80 a 100 bilhões de neurônios, gera a experiência que temos de sermos nós?

O filósofo australiano David Chalmers chama a questão de "o difícil problema da consciência". Faz isso para diferenciá-lo dos demais problemas que poderão ser resolvidos pela pesquisa nas ciências neurocognitivas e neurocomputacionais. Mesmo que isso possa demorar um século, o nível de dificuldade não se compara ao do problema que, alguns especulam, é insolúvel.

Eis alguns dos problemas que Chalmers considera fáceis: a habilidade de discriminar, categorizar e reagir a estímulos externos; a integração de informação sensorial; o controle intencional de comportamento; a diferença entre dormir e estar acordado.

Essas questões são localizadas, passíveis de uma descrição reducionista de como funcionam partes do cérebro, usando a conexão entre neurônios e grupos de neurônios.

Henry Markram, na Suíça, recebeu uma bolsa de 1 bilhão de euros para liderar o Projeto do Cérebro Humano, uma colaboração de centenas de cientistas que visa criar uma simulação do cérebro humano. Para tal, eles precisarão de computadores capazes de bilhões de bilhões de operações por segundo, um fator cerca de 50 vezes maior do que os supercomputadores mais rápidos do mundo são capazes hoje.

Markram e os "computacionalistas" acreditam que, se o nível de informação da simulação for suficientemente detalhado, incluindo desde o trânsito de neurotransmissores entre sinapses até as milhares de conexões interneuronais em partes diferentes do cérebro, a simulação funcionará como um cérebro humano dotado de uma consciência tão complexa quanto a nossa. Markram acredita que o problema "difícil" não existe: tudo pode ser obtido de neurônio a neurônio.

Apesar de concordar com a relevância científica do projeto de Markram, não vejo como uma simulação poderá criar uma entidade com consciência semelhante à humana. Talvez crie algum outro tipo de consciência, mas não a nossa.

Outro filósofo, Thomas Nagel, mostrou que somos incapazes de perceber a experiência consciente de outro cérebro. Como exemplo, usou os morcegos, que constroem sua realidade a partir da ecolocalização. Usando ideias do linguista Noam Chomsky, que defende a limitação cognitiva de cada cérebro (por exemplo, um rato jamais poderá falar), Nagel mostra que não podemos entender o que é "ser" um morcego.


Essa é outra versão do problema de Chalmers, que o filósofo Colin McGinn chama de "clausura cognitiva". Não existe um modo de capturar a essência do consciente, pois este não se presta a uma análise metódica das propriedades do cérebro: está em toda a parte e em nenhuma parte. Talvez, McGinn especula, uma inteligência mais avançada saiba responder à pergunta. Mas nós, simulações ou não, temos que viver com o mistério.

domingo, 28 de julho de 2013

Alimentos geneticamente modificados: fato e ficção


 
Raramente, a relação entre a ciência e a população é tão direta quanto no caso de alimentos geneticamente modificados (AGMs). Pois uma coisa é ligar uma TV de plasma ou falar num celular; outra, é ingerir algo modificado no laboratório.

Não é à toa que as reações contra e a favor dos AGMs é polarizada e radical. De um lado, vemos grupos puristas querendo banir definitivamente qualquer tipo de alimento geneticamente modificado, alegando que fazem mal à saúde e ao meio ambiente; de outro, temos os defensores radicais dos AGMs, que confundem ciência com as estratégias de marketing dos grandes produtores, principalmente da gigantesca Monsanto.

Poucos debates na nossa era são tão importantes. Existem aqui ecos do que ocorre com o aquecimento global, o criacionismo e as vacinas, onde o racional e o irracional misturam-se de formas inusitadas.
Vemos uma grande desconfiança popular da aliança entre a ciência e as grandes empresas, dos cientistas "vendidos", comparados, infelizmente, com os que trabalham para a indústria do fumo. A realidade, como sempre, é bem mais sutil.

Existem centenas de estudos científicos publicados que visam determinar precisamente o impacto dos alimento geneticamente modificados nas plantações e nos animais. O leitor encontra uma lista com mais de 600 artigos no portal http://www.biofortified.org/genera/studies-for-genera/, que não é afiliado a qualquer empresa.

Em junho, o ministro do meio ambiente do Reino Unido, Owen Paterson, propôs que seu país deveria liderar o mundo no desenvolvimento e na implantação de AGMs: "Nosso governo deve assegurar à população que os AGMs são uma inovação tecnológica comprovadamente benéfica".

Na semana anterior, grupos contra a implantação de AGMs vandalizaram plantações de beterraba da empresa suíça Syngenta no Estado de Oregon, nos EUA.

As plantações foram geneticamente modificadas para resistir ao herbicida Glifosate (do inglês Glyphosate), algo que os fazendeiros desejam, pois ajuda no controle das ervas daninhas que interferem com a produtividade de suas plantações.

O Prêmio Mundial da Alimentação de 2013 foi dado a Marc van Montagu, Mary-Dell Chilton e Rob Fraley. Os três cientistas tiveram um papel essencial no desenvolvimento de métodos moleculares desenhados para modificar a estrutura genética de plantas. Chilton, aliás, trabalha para Syngenta.
Mas, no YouTube, vemos vídeos mostrando os efeitos "catastróficos" de tal ciência, como relata Nina Fedoroff, professora da Universidade Estadual da Pensilvânia em um ensaio recente para a revista "Scientific American".

Fedoroff antagoniza os exageros e radicalismo dos protestos contra os AGMs, que alega não terem qualquer fundamento científico, sendo comparáveis aos abusos pseudocientíficos que justificam posturas quase que religiosas.

Em termos dos testes até agora feitos, não parece que AGMs tenham qualquer efeito obviamente nocivo à saúde humana ou à dos animais que se alimentam deles. Já muitos dos inseticidas comumente usados em plantações são altamente cancerígenos.


Sem dúvida, a pesquisa sobre o impacto ambiental e médico dos AGMs deve continuar; mas a negação da ciência sem evidência, baseada em mitologias, é a antítese do que uma população bem informada deve fazer.

domingo, 21 de julho de 2013

Tempo celeste


Grosso modo, existem duas eras que caracterizam a existência de humanos na Terra: primeiro, a dos caçadores-coletores, grupos nômades que peregrinavam por grandes áreas em busca de comida e abrigo. Depois, a que chamamos de "civilização", produto da fixação de populações em torno de áreas cultiváveis, presumivelmente a partir dos natufianos, cerca de 10 mil anos antes de Cristo, na área onde hoje estão Israel e Jordânia.

Essas determinações dependem crucialmente de artefatos achados em escavações arqueológicas. É possível que outras áreas existissem onde a agricultura fosse cultivada antes disso e que ainda não foram descobertas. Essa é uma característica básica das ciências ditas históricas, onde o que num momento é o "primeiro" pode ser suplantado por novos achados.

Dado o que sabemos, ou sabíamos, havia uma outra distinção essencial entre os caçadores-coletores e as primeiras civilizações. Na transição de uma era para outra surgiu uma preocupação com a passagem do tempo que levou à elaboração de meios que tornassem possível sua determinação: "relógios" primitivos que marcassem a regularidade dos ciclos naturais.

Certamente, os caçadores-coletores sabiam da passagem dos dias, das fases da Lua, das estações do ano, todos esses fenômenos que ligavam a Terra aos céus. Sabiam também, e temiam, fenômenos não regulares como eclipses, cometas e chuvas de meteoros. Era claro que existiam padrões de ordem e de desordem nos céus, cuja compreensão ia muito além dos poderes humanos (até bem mais tarde, quando a ciência entra em cena).

A divinização dos céus --que se tornam a morada dos deuses-- foi de certa forma uma tentativa de estabelecer algum tipo de controle sobre o que era incontrolável, com o intuito de preservar o grupo contra forças naturais implacáveis e misteriosas.

Porém, dado o caráter nômade dos caçadores-coletores, não se sabia que tinham já não só uma preocupação com a passagem do tempo, mas meios de marcá-la. Essa foi a revelação surpreendente de pesquisadores da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que descobriram o mais antigo "relógio" celeste, criado aproximadamente 10 mil anos atrás.

Doze pedras imitando as várias fases da Lua, num arco de cerca de 50 metros. No centro, uma pedra de dois metros de diâmetro marca a Lua cheia. Curiosamente, o arranjo é alinhado com o Sol nascente no meio do solstício de inverno da época, o que dava aos arquitetos a chance de recalibrar seu calendário lunar com o ano solar. Arqueólogos encontraram evidências de que as pedras foram mudadas de lugar durante milhares de anos.


O achado muda nosso modo de pensar sobre os caçadores-coletores, que obviamente eram bem mais sofisticados do que imaginávamos. Nessa região da Escócia, migrações de animais ocorriam com regularidade, e prevê-las era garantia de comida. Usar os céus para fazê-lo mostrava um conhecimento astronômico bem anterior ao das civilizações do Oriente Médio. E é a prova de um início formal da história ainda antes da agricultura, forjado por uma profunda ligação entre o homem e os céus.

domingo, 14 de julho de 2013

Sobre visitas de extraterrestres


Estou passando a semana na Amazônia como parte das celebrações de dez anos da Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa da Amazônia) e a convite da Secretaria do Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Fora o deslumbre da grande diversidade da fauna e flora local, a visita ao encontro das águas do rio Negro e do rio Solimões e um certo choque em ver a enorme industrialização junto aos rios, um assunto que parece ser de grande interesse local é a possibilidade de que misteriosas luzes nos céus, aparentemente vistas por muitos, são espaçonaves de origem extraterrestre.

Vamos então investigar a possibilidade de que, de fato, seres extraterrestres tenham algum interesse pelos céus da Amazônia (ou de Varginha) ou mesmo pela Terra em geral. Antes, um pouco de astronomia.

O grande desafio de viagens interestelares são as distâncias gigantescas. O Sol está a aproximadamente oito minutos-luz da Terra; ou seja, a luz, viajando a 300.000 km/segundo, demora oito minutos para cobrir os 150 milhões de quilômetros até aqui.

Digamos que queremos visitar o sistema estelar mais próximo da gente, na constelação do Centauro. São quatro anos-luz, mais ou menos. Viajando na espaçonave mais veloz que temos, a 50.000 km/h, demoraríamos em torno de 100.000 anos para chegar lá!

Obviamente, se alguma inteligência extraterrestre existe, se desenvolveu tecnologia que não temos a menor ideia do que seja, capaz de viagens próximas da velocidade da luz, e se tem interesse em nos visitar, a viagem demoraria muito tempo. Talvez mandem arcas que viajam por muitas gerações pelo espaço, com vidas inteiras passadas dentro delas. Onde estão?

Será razoável supor que tenham feito este esforço todo para chegar aqui e se esconder, meras luzes misteriosas nos céus? Em 1950, o físico Enrico Fermi fez um cálculo simples, mostrando que se inteligências capazes de viagens interestelares existem na nossa galáxia, teriam já tido tempo de sobra para colonizá-la. "Onde estão eles?", perguntou-se.

Esse é o Paradoxo de Fermi: nossa galáxia tem 10 bilhões de anos e 100.00 anos-luz de extensão. Vamos supor que uma inteligência surgiu em algum canto um milhão de anos antes da gente, o que é bem razoável considerando que a galáxia tem 200 bilhões de estrelas e possivelmente trilhões de planetas e luas.
Esses seres do planeta Yczykx têm espaçonaves que viajam a velocidades de 10% da velocidade da luz.

Ou seja, em um milhão de anos, poderiam ter viajado de ponta a ponta da galáxia, incluindo várias passagens pela Terra. Se tivessem surgido não um, mas 10 milhões de anos atrás, poderiam ter colonizado a galáxia inteira. E certamente não nos contataram de forma direta e clara.

Portanto, ou vieram, não gostaram e foram embora; ou estão aqui mas têm uma tecnologia de invisibilidade que elude todos nossos sistemas de detecção; ou nos criaram como um experimento genético que seguem curiosos, de longe, como num zoológico; ou, o que é mais provável, nunca vieram aqui ou vieram e não deixaram nenhum sinal.


Das várias explicações para luzes estranhas nos céus, as mais plausíveis --fenômenos atmosféricos, balões de pesquisa etc.--, mesmo que menos dramáticas, são muito mais realistas.

domingo, 7 de julho de 2013

A harmonia das esferas (atômicas)



A busca pela ordem, seja ela emocional ou material, é mola mestre da criatividade humana. Nos mais antigos relatos de Criação já encontramos narrativas onde o caos precede a ordem, as trevas a luz e, enfim, onde o processo de emergência da realidade material vem acompanhado de uma ordem que rege seu comportamento. Nas ciências, a busca pela ordem se manifesta nas leis da Natureza --princípios organizativos que visam descrever padrões de regularidade nos fenômenos naturais que observamos.

Poucos exemplos na história da filosofia e da ciência ilustram essa busca e as transformações do conhecimento humano tão claramente quanto o conceito da Harmonia das Esferas, cujas origens datam do período pré-Socrático da filosofia, em torno de 650 a.C. Foi Pitágoras quem propôs que as órbitas planetárias obedecessem a um espaçamento predeterminado por leis matemáticas independentes da história de formação do Sistema Solar e dos planetas: segundo ele e seus discípulos, as distâncias entre os planetas deveriam seguir padrões que espelhassem nos céus as harmonias da música: "Existe geometria no som das cordas; existe música no espaçamento das esferas", segundo um texto atribuído a ele. (Provavelmente não de sua autoria.)

Evidentemente, os estudiosos pitagóricos não sabiam que planetas e suas órbitas (elipses com maior ou menor excentricidade) são produto de uma história de formação que depende de uma dinâmica um tanto complexa, ainda hoje objeto de estudo da astronomia. Para eles, a geometria determinava a forma dos céus: as mesmas leis matemáticas atuavam em todas as escalas, do terrestre ao cósmico.

Esta visão foi revisitada pelo astrônomo alemão Johannes Kepler que tentou, no início do século XVII, dar nova vida aos conceitos pitagóricos. Ainda jovem, Kepler fez uma pergunta que determinou o rumo de sua produção científica: O que determina o número de planetas (6 na época, os visíveis a olho nu) e suas distâncias ao Sol? Sendo um pitagoriano munido de dados, Kepler buscou a resposta na geometria, que acreditava ser a linguagem que Deus usou para criar o cosmo.

O astrônomo propôs que os 6 planetas e suas distâncias eram determinadas pelos 5 sólidos perfeitos. (Dois deles, a pirâmide e o cubo, são bem familiares.) Arranjando-os um dentro do outro como bonecas russas, Kepler situou as órbitas planetárias no espaço entre os sólidos. Usando geometria, pôde calcular as distâncias que, com precisão de 5%, coincidiram com os dados.

A visão de Kepler nada tem a ver com a realidade; hoje, o número de planetas é 8 e não 6, e suas distâncias são determinadas pela história de formação do Sistema Solar.

Curiosamente, o sonho de Pitágoras e Kepler realizou-se na física atômica. As órbitas dos elétrons em torno do núcleo atômico obedecem a padrões geométricos semelhantes aos de cordas vibrando: cada órbita está relacionada a um padrão e tem uma energia associada; o elétron só pode estar nessas órbitas, espaçadas descontinuamente.


Ao contrário das órbitas planetárias, as órbitas eletrônicas e suas distâncias não são consequência da história do átomo, mas fixas matematicamente, justamente o que Pitágoras e Kepler queriam.

domingo, 30 de junho de 2013

Futebol, efeito estufa e o jogo global



Hoje é dia da final da Copa das Confederações, imagino que a maioria absoluta dos brasileiros esteja grudada na TV. (Eu sou um deles, mesmo daqui dos EUA).

Interessante o contraste das culturas; por aqui, esse tipo de conexão nacional não existe em nenhum esporte. Não vejo os americanos unidos, torcendo pelo seu país em massa em um jogo, como ocorre no Brasil e tantos outros países.

Isso é coisa do futebol e da Copa, um fenômeno único mesmo. Olimpíada é diferente, uma outra espécie de manifestação patriótica. Não é tanto um esporte, mas muitos juntos, e cada um vê o que gosta mais.
Isso faz do futebol uma coisa à parte, uma manifestação em massa quase que religiosa, algo que antropólogos culturais estudaram já em detalhe. Uma expressão de patriotismo, sem dúvida, mas muito mais do que isso. Aqui nos EUA, isto ocorre mais com as guerras do que com os esportes.

O que me faz pensar no próximo nível de adesão cultural em massa, quando não somos mais um país, mas uma espécie. Uma das assinaturas do novo milênio é a transcendência cultural por meio da globalização digital; todos têm, em princípio, uma voz, a informação que antes era difícil é acessível com alguns cliques; cursos dados por grandes professores, palestras sensacionais sobre ideias de vanguarda, vídeos políticos (como aqueles mostrando as manifestações no Brasil), filosóficos, esportivos...tudo ao alcance, basta só saber procurar conteúdo. E é este o grande desafio da educação moderna: orientar as pessoas a buscar conteúdo de qualidade, coisas que nos ajudem a aprender, a crescer como indivíduos e mesmo como espécie.

Pois se uma coisa fica clara com essa globalização e com outra característica dos nossos tempos, o aquecimento global, é que qualquer ação local pode ter repercussão global. O moto "pense globalmente e haja localmente" diz tudo. Semana passada, o presidente Obama declarou a necessidade de os EUA mudarem sua politica com relação à emissão de carbono: "os cientistas estão convencidos na sua maioria absoluta de que o aquecimento global está sendo acelerado pelas atividades humanas; falo isso pelos meus filhos e as gerações futuras", declarou. Finalmente!

Não há mesmo dúvida de que estamos pondo uma espécie de cobertor em torno do planeta, que vai ficando cada vez mais sufocado. A conscientização conjunta de uma globalização pela internet e pelo clima deveria também despertar uma noção da necessidade de lutarmos como espécie para a preservação da nossa casa cósmica. Algo que a ciência moderna nos ensina é que a vida é rara e a vida complexa mais ainda; ademais, dadas as variações de planeta a planeta, e dado como a vida depende dessas variações, podemos afirmar que nós, humanos, somos únicos, futebol e tudo.


Se as variações culturais ainda são enormes, como no caso da devoção nacional ao futebol no Brasil e sua ausência nos EUA, estamos todos juntos neste mesmo planeta. Independentemente do resultado do jogo, a Terra continuará sendo nossa casa, e continuará a aquecer. Torço para que o Brasil ganhe, claro, e para que nosso planeta vença também. Pois neste jogo ganhamos ou perdemos todos juntos.

domingo, 23 de junho de 2013

É hora da educação



"O Brasil acordou!" é o que temos ouvido, mesmo daqui dos EUA, sobre as manifestações no país. A mídia, como sempre, enfatiza a violência acima do que as pessoas nas ruas estão pedindo.

Na quinta, a primeira página do "New York Times" mostrou um guarda atingindo o rosto de uma senhora com um spray lacrimogêneo; pouco fala da insistência da maioria dos manifestantes em manter a ordem, dos esforços em abrir uma relação com a polícia que, como tantos já disseram, é povo e precisa de melhorias tanto quanto o resto.

Existe um contrato social e financeiro entre a população e o governo. A população, por meio dos impostos, paga o governo para exercer certas funções que deveriam garantir sua qualidade de vida: saúde, educação, segurança, transportes. Se a população não paga, o governo castiga com multas e prisão.

O que ocorre quando o governo não faz a sua parte e deixa de garantir a qualidade do tratamento médico, da educação pública, da segurança nas ruas e das fronteiras, dos transportes?

É óbvio que existe uma assimetria no poder: como o governo detém controle da polícia e das forças armadas, fica fácil coibir qualquer desavença. O que as pessoas talvez estejam começando a perceber é que também têm poder. O contrato deve ser mantido dos dois lados; sem dinheiro, o governo quebra.

Mas vamos ser positivos e imaginar que as manifestações tenham o efeito de redefinir as metas do governo para cumprir o seu lado do contrato. O que deve ser feito?

O desafio do Brasil é ser um país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes. Bem diferente da Suécia ou da Holanda. Temos uma economia baseada na agropecuária e mineração. Nada de errado nisso, mas é insuficiente no mundo de hoje, onde tecnologias digitais estão redefinindo como vivemos. Precisamos de energia sustentável, de infraestrutura de comunicação, de técnicos, engenheiros e cientistas que possam competir em pé de igualdade com os dos países que vemos como modelos.

Um exemplo simples: quais carros guiamos no Brasil? Alemães, americanos, japoneses e coreanos. O que isso nos diz? Que esses países têm um sistema de educação capaz de suprir a enorme demanda que uma tecnologia competitiva requer. Se o Brasil tem a intenção de competir nesse nível, tem de reformular o ensino público.

Imagine que a Coreia do Sul era um dos países mais pobres do mundo em 1950, não muito diferente do Haiti. O que aconteceu? Fizeram da educação a área prioritária. Treinaram engenheiros, cientistas e médicos para levantar o país da miséria.

Não é falta de dinheiro. Em 2010, 4,3% do PIB foi investido em educação básica. O que falta? Treinamento de professores que então recebam salários dignos. Que jovem vai querer ser professor para ganhar R$ 1.200 por mês? Não basta apenas pôr as crianças nas escolas; o que fazem lá é essencial. Para isso, precisamos de professores bem treinados e de escolas com laboratórios, bibliotecas e computadores.

Sem uma profunda transformação na educação, o Brasil será passado para trás pelos países que já perceberam que sem um investimento sério na educação estão optando pela mediocridade.

domingo, 16 de junho de 2013

Sobre o propósito da vida

Seres vivos têm o propósito de preservar sua existência; é difícil aceitar que não há um objetivo maior

Não me refiro aqui à vida de cada um, que envolve nossas escolhas e esperanças, os planos que traçamos no decorrer dos anos. Nossas vidas, claro, têm, ou deveriam ter, um ou mais propósitos.

Falo da vida como fenômeno natural, essa estranha organização da matéria dotada de autonomia, capaz de absorver energia do ambiente à sua volta e de se preservar por meio da reprodução.

O tema gera confusão. Precisamos ter cuidado. Todas as formas de vida têm um propósito essencial: sobreviver. Esse é ainda mais importante do que o outro propósito, reprodução. Afinal, bebês e vovôs estão vivos, mas não se reproduzem. Pode-se até dizer que a vida é uma forma de organização material que tem o ímpeto de se preservar.

Essa é uma diferença essencial que distingue seres vivos de outras formas de organização material, como estrelas ou rochas, que não têm o ímpeto de se preservar: apenas existem, passivamente, entregues aos processos físicos que definem suas interações. No caso das rochas, a existência é delimitada pela sua interação com a erosão --água mole em pedra dura tanto bate até que fura. No caso das estrelas, existem enquanto têm combustível suficiente no seu centro (hidrogênio) para resistir à atração gravitacional, que levará à sua implosão.

Todas as formas vivas têm o propósito de preservar sua existência. Essa é a diferença essencial entre o vivo e o não vivo.

A confusão com relação à questão do propósito vem quando nos deparamos com a diversidade das formas de vida. Dada tanta riqueza, tanta criatividade, fica difícil de aceitar que tudo surgiu sem um propósito maior, sem a intenção de criar criaturas cada vez mais complexas.

A coisa complica ainda mais quando aprendemos que a história da vida na Terra mostra uma complexidade crescente. A vida aqui surgiu há pelo menos 3,5 bilhões de anos. Desses, os primeiros 2,5 bilhões foram dominados por seres unicelulares, bactérias apenas. Apenas cerca de 600 milhões de anos atrás é que a diversificação começou para valer. Na famosa explosão do Cambriano, em torno de 550 milhões de anos atrás, a complexidade da vida decolou. De lá para cá, mais criaturas foram surgindo no mar, na terra e no ar, com complexidade e diversificação crescente.

Fica difícil aceitar que não existe um propósito maior na vida, que é o de aumentar sua complexidade. O clímax dessa complexidade seríamos nós, humanos. Esse propósito oculto é chamado teleologia.

Mas essa conclusão é falsa. Não existe um "plano" de tornar a vida complexa a ponto de gerar formas inteligentes. Vejam os dinossauros, que existiram por 150 milhões de anos e permaneceram burros. O que a vida quer é se preservar. Contanto que esteja adaptada ao ambiente, continuará bem, com mutações ocorrendo sem grandes revoluções.


Fundamental nessa dinâmica é o acoplamento da vida ao ambiente. Variações ocorrem quando o ambiente muda. Se mudássemos algo na história da Terra, como a queda do asteroide que eliminou os dinossauros 65 milhões de anos atrás, a história da vida mudaria também. Provavelmente não estaríamos aqui. Na natureza, criação e destruição andam juntas. Mas nessa coreografia não existe coreógrafo.

sábado, 8 de junho de 2013

Sobre a realidade

Um dos aspectos mais extraordinários da ciência é como ela nos permite ampliar nossa visão do real

Costumamos achar que sabemos o que é o mundo real, esse que vemos à nossa volta. Basta abrir os olhos, apurar os ouvidos, e temos esse retrato do que é a realidade, baseado na nossa percepção sensorial. Mas será que é só isso? Será que o que vemos e ouvimos pode ser chamado de realidade? Um dos aspectos mais extraordinários da ciência é como ela nos permite ampliar nossa visão do real. E um dos aspectos mais paradoxais é que quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos clara nos é a natureza da realidade.

Platão, na Grécia Antiga, já antecipara o problema. Em sua alegoria da caverna, ele imagina um grupo de "escravos" acorrentados em uma caverna desde o nascimento. A percepção da realidade deles se restringe à parede da caverna, que é tudo que podem ver. Para eles, o que aparece na parede é o mundo real. Sem que os presos soubessem, atrás deles um grupo de filósofos fizera uma fogueira que lançava luz na parede.

Em frente ao fogo, os filósofos seguravam objetos e os escravos viam as sombras projetadas na parede, achando que os objetos eram reais. Obviamente, a projeção não correspondia ao objeto: por exemplo, uma bola aparecia como um círculo. O ponto de Platão é que nossa percepção sensorial cria uma noção falsa do real. Como disse a raposa ao Pequeno Príncipe, "o essencial é invisível aos olhos".

Na história da física, o que chamamos de realidade também muda. Antes de Copérnico, o Cosmo tinha a Terra no centro e o Sol e planetas girando à sua volta. O Universo era fechado na forma de uma esfera e Deus e sua corte habitavam a esfera mais externa. Quando Newton propôs sua teoria da gravitação, percebeu que o Cosmo não poderia ser finito. Apenas um Cosmo infinito, onde as estrelas estavam separadas e equilibradas (precariamente), seria estável. De repente, a realidade muda e o homem se vê num Universo infinito, envolto em trevas. Qual o lugar do homem nesse novo Universo?

Para complicar, as ideias de Newton levaram a um determinismo radical em que o futuro poderia ser calculado, ao menos em princípio, a partir do presente. Se isso fosse verdade, não haveria mais o livre arbítrio; todas as ações estariam predeterminadas pela precisa maquinaria cósmica. A liberdade que achamos ter seria uma ilusão.

Felizmente, esse determinismo não durou muito. No início do século 20, a física quântica pôs fim à noção de que podemos usar a física como oráculo. O princípio de incerteza de Heisenberg mostrou que não podemos  medir a posição e a velocidade de uma partícula conjuntamente, o que torna a determinação precisa de seu futuro impossível.


Ademais, o mundo quântico nos mostra que a própria natureza da realidade é elusiva: não vemos um elétron ou um fóton, sua existência é medida com detectores, aferida indiretamente. O mundo do muito pequeno, que tanto define nossas vidas através das tecnologias digitais que usamos, é um mundo inacessível aos sentidos. Não podemos nem mesmo atribuir existência a uma partícula antes de a detectarmos: a realidade é  definida pelo modo como interagimos com ela.

domingo, 2 de junho de 2013

Outros mundos

Na semana passada, cientistas da Nasa puseram o telescópio espacial Kepler em uma espécie de coma tecnológico: a sonda, desenhada para buscar planetas semelhantes à Terra girando em torno de estrelas na nossa vizinhança cósmica, falhou de uma forma que parece irremediável.

Lançada em 2009, a Kepler encontrou 132 planetas e 2.700 outros astros que podem passar no teste e esperam estudos mais detalhados. A confirmação será feita por telescópios terrestres que agora sabem para onde olhar nos céus.

Custando US$ 550 milhões, a sonda Kepler revolucionou nossa visão do Universo e do nosso lugar nele.
A noção de que estrelas têm planetas girando à sua volta é muito antiga, remontando ao menos à Grécia Antiga, onde filósofos como Epicuro, já no século 4º a.C., sugeriram a existência de outros mundos: "Existem infinitos mundos parecidos e diferentes do nosso. Pois os átomos, infinitos em número, se espalham pelas profundezas do espaço." A noção foi elaborada por Giordano Bruno ao final do século 16 em seu tratado "Sobre o Universo Infinito e os Mundos". Para Bruno, esses outros mundos seriam semelhantes à Terra, também habitados.

Era claro que, caso existissem outras Terras, a centralidade da nossa estaria ameaçada. No debate sobre a existência de outros mundos, essa era a questão essencial: somos únicos e, portanto, especiais de alguma forma, ou apenas a norma do que existe pelos confins do espaço?

Foram necessários 413 anos após a morte de Bruno para que tivéssemos uma resposta ao menos parcial a essa pergunta. Em quatro séculos, passamos da mera especulação sobre a existência de outras Terras à observação concreta de planetas que, se não são como o nosso, ao menos podem ser semelhantes.

Hoje, temos uma disciplina em astronomia chamada de planetologia comparada, na qual as propriedades de planetas diversos são examinadas e estudadas em detalhes.

Mesmo que ainda em sua infância, aprendemos já várias coisas: que estrelas, na sua maioria, têm planetas girando à sua volta; que a vida só é possível naqueles que respeitam uma série de regularidades nas suas propriedades astronômicas e que têm composição química bem específica.

Note que quando cientistas falam de vida em outros planetas se referem à vida como nós a conhecemos, isto é, baseada em compostos de carbono e em soluções aquosas. Outros tipos, mesmo que interessantes, são provavelmente ficção. (A menos que a vida tenha evoluído de tal forma que tenha deixado para trás sua carcaça de carbono, existindo numa espécie de rede digital definida em campos eletromagnéticos, sem existência física.)

Se estamos ainda na infância de nossa exploração cósmica, podemos ao menos nos contentar com o que já aprendemos: há centenas de bilhões de planetas na nossa galáxia; se não são infinitos, esses mundos são incontáveis; talvez existam alguns com propriedades semelhantes às do nosso; detalhes da vida nesses mundos dependem da história de cada um e, por isso, somos únicos no Universo, produtos da Terra e de sua história única.


Outras sondas mais poderosas do que a Kepler continuarão a busca. Mas o que já aprendemos demonstra nossa importância cósmica.

domingo, 26 de maio de 2013

Universo consciente?

 Para o físico John Wheeler, a existência da partícula depende de sua interação com a consciência humana

 Entre os vários mistérios da física contemporânea, poucos se comparam à existência de não localidade na física quântica. Não localidade significa que interações entre entidades separadas podem ocorrer instantaneamente.

É como se o espaço e o tempo não existissem! Quando uma bola vai ao gol ou uma gota de chuva cai, existe um efeito local por trás: o chute, a nuvem carregada. No mundo quântico, dos elétrons e fótons --as partículas de luz--, efeitos podem ocorrer sem causa local, algo de que tratei na coluna do dia 28 de abril.

 Imagine gêmeos, um em São Paulo e outro em Manaus. Entram num bar, um em cada cidade. Se o de São Paulo pede pinga, o de Manaus pede chope. Se o de São Paulo pede chope, o de Manaus pede pinga. Isso ao mesmo tempo, como se soubessem o que o outro pediu. Como é possível, dado que estão longe e não podem se comunicar?

 Essa sincronicidade, se não com gêmeos, foi verificada entre pares de partículas em experimentos à distância que comprovam que a correlação é mais rápida do que a velocidade da luz. Imagino que muitos leitores estejam pensando na premonição, na sincronicidade junguiana etc.

 Lembro que o cérebro humano e os pares de fótons são "sistemas" bem diferentes. Mas cientistas sérios, como o vencedor do Nobel Eugene Wigner e seu colega de Princeton John Wheeler, se questionaram sobre o papel da mente na física.

 Quando medimos algo usamos um detector. Não temos contato direto com um elétron. Sua existência é registrada quando interage com o detector e ouvimos um clique ou vemos um ponteiro mexer. Na interpretação "ortodoxa" da física quântica, é essa interação que determina a existência da partícula: antes da medida, não podemos nem dizer que a partícula existe.

 Wigner e Wheeler acham que, sem um observador, essa medida não faz sentido; foi o observador que montou o detector. A existência da partícula depende de interação com a consciência humana: mais dramaticamente, a consciência determina a realidade em que vivemos.

 Wheeler imaginou um experimento no qual uma partícula passa por um anteparo com dois orifícios e vai de encontro a uma tela móvel. Atrás dela, há dois detectores alinhados com os orifícios. Se a tela é retirada, os detectores acusam por qual orifício a partícula passou.

 Porém, no mundo quântico, partículas podem agir como ondas. Ondas passando por dois orifícios criam padrões de interferência, estrias claras e escuras. Portanto, duas opções: com tela vemos interferência, sem tela vemos detecção de uma partícula. Wheeler sugeriu que a tela fosse retirada após a partícula ter passado pelo anteparo.

Por meio da sua escolha, o observador cria a propriedade física da partícula agindo retroativamente no tempo! O incrível é que a previsão de Wheeler foi confirmada. Observador e observado formam uma entidade única que existe fora do tempo.

 Wheeler extrapolou: "Não somos observadores no Universo, somos participadores. Sem consciência, o mundo não existe! O Universo gera a consciência e a consciência dá significado ao Universo".

Essa visão traz o dilema: será que o Universo só faz sentido porque existimos?

domingo, 19 de maio de 2013

Pergunta inevitável?


A passagem do tempo e o fato de que temos consciência dela compõem, talvez, a condição que mais nos define

Nesta semana estive no Brasil dando uma palestra em um evento corporativo. Havia umas 200 pessoas, de várias regiões do Brasil, executivos e administradores.

Minha missão era iniciar uma reflexão macro, tirando as pessoas de sua área de conforto, colocando questões que, na correria da vida, tendemos a deixar de lado.

Como pediram para que eu falasse sobre o homem, o tempo e o espaço, embarquei numa discussão de como a ciência moderna vê a questão da existência humana: suas origens, seu significado, sua incumbência enquanto espécie, seu destino. Nada mais estimulante do que dividir minhas reflexões sobre esses temas tão fundamentais.

Comecei falando de como somos criaturas limitadas pelo tempo, com uma história que começa e acaba; mostrei que, tal como nós, assim são também as estrelas e o próprio Universo, cada qual com a sua história.

A passagem do tempo e o fato de que nós, como espécie, temos consciência dela são, talvez, a condição que mais nos define: a consciência que temos da nossa existência e da sua finitude.

Argumentei que muito do esforço criativo humano, nossos poemas e nossas sinfonias, a literatura, as ciências e a filosofia, enfim, a soma total da produção cultural da nossa história coletiva podem ser vistos como uma resposta a esses anseios, como uma tentativa de compreender a razão de nossas vidas.

Amor, reprodução, poder e relacionamentos, são manifestações de quem somos e de como escolhemos viver nossas vidas.

Passei para a questão das origens: do Cosmo, das estrelas, da vida, mostrando que todas as culturas de que temos registro oferecem uma narrativa da criação, um esforço de explicar de onde veio tudo.

Olhar para o céu e ver milhares de estrelas nos remete, inevitavelmente, à questão da existência de outros mundos, da possibilidade de que não estamos sós no Universo. Mais ainda quando aprendemos que apenas em nossa galáxia, a Via Láctea, existem em torno de 200 bilhões de estrelas, o Sol sendo apenas uma delas.

Mostrei imagens belíssimas tiradas por sondas espaciais, como o telescópio espacial Hubble, explicando como essas máquinas maravilhosas são um depoimento da criatividade humana: esses pequenos robôs atravessam milhões de quilômetros pelo espaço sideral, visitando outros mundos controlados aqui da Terra por pessoas como nós.

Sugeri que devemos celebrar esses feitos tecnológicos como celebramos outras grandes obras da humanidade, das pirâmides às catedrais medievais, da arquitetura de Brasília à Mona Lisa e às sinfonias de Beethoven.

Mostrei que, diferentemente do que a maioria pensa, e como explico no livro "Criação Imperfeita", quanto mais aprendemos sobre o Cosmo, mais relevantes ficamos: aglomerados moleculares de poeira estelar capazes de refletir sobre quem somos, de construir máquinas que nos permitem ver além da nossa percepção tão limitada do real.

Tentei, com palavras e imagens, celebrar a condição humana e a beleza austera do Cosmo.

E, ao fim de tudo isso, tão inexorável quanto a passagem do tempo, veio a pergunta inevitável: "O senhor acredita em Deus?"

domingo, 12 de maio de 2013

Cientistas devem visitar escolas


Muito se fala sobre reformar o ensino, mas uma medida simples como essa faria uma enorme diferença

Muitas vezes me perguntam como comecei a me interessar por ciência, se era coisa de criança ou se foi na adolescência.

Gostaria de responder que tive mentores desde cedo, que um físico ou um biólogo visitou minha escola quando eu estava na 3ª série e fiquei encantado com o mundo da ciência. Mas não foi isso o que ocorreu comigo e não é, ainda, o que ocorre com a maioria das crianças.

Cientistas e engenheiros raramente visitam escolas, públicas ou privadas, para falar às crianças sobre o que fazem e por que o fazem. Nem mesmo as escolas de seus próprios filhos. Isso não faz o menor sentido.

A verdade é que meu interesse por ciência foi um acidente, algo que veio de dentro, uma urgência para entender como o mundo funciona e como podemos nos relacionar de forma profunda com a natureza.

Tive a sorte de passar meus verões na casa de meus avós em Teresópolis, na serra dos Órgãos, a cerca de duas horas do Rio.

Lá, colecionei insetos e pedras, cacei morcegos, pesquei, subi e desci morro, corri de cobras, aprendi quais aranhas eram as mais peçonhentas, trepei em árvore e explorei matagais. Minha exposição à natureza foi direta, parte da infância.

Apenas mais tarde, quando comecei a ter aulas de física, química e biologia na escola, entendi que existia um método para estudar o mundo e as suas criaturas, um método que poderia se tornar uma carreira, uma escolha de vida.

Aos 13 anos, sabia que faria algo relacionado a ciências ou engenharia. Isso sem nunca ter visto um cientista ou conversado com um! Minha fonte de informação eram os livros, a TV e a minha família. (Que, aliás, até hoje não tem outro cientista.)

Toda escola deveria ter um programa que leva cientistas, matemáticos e engenheiros ao menos uma ou duas vezes ao ano para falar sobre suas pesquisas e suas vidas.

Não precisam ser pesquisadores famosos; alunos de doutorado também deveriam participar, da astronomia à zoologia. Pense na diferença enorme que um contato desses pode fazer na vida de um jovem.

Imagine a classe de 30 alunos sentados em suas mesas assistindo a uma apresentação cheia de imagens incríveis sobre o mundo das partículas, sobre a importância da química em nossas vidas, sobre os avanços da medicina, sobre como construir pontes e represas ou microchips e sondas espaciais, sobre buracos negros e outros planetas, sobre a revolução genética, sobre como a ciência define o mundo em que vivemos, mesmo que poucos parem para pensar sobre isso. Se cinco se interessarem, ótimo.

Faço isso com frequência no Brasil e nos EUA. E vejo os olhos da meninada brilhando -até os adolescentes param de mandar torpedos-, a curiosidade aguçada, a possibilidade de um futuro que, antes, nem sabiam ser viável.

Falamos muito em transformar o ensino em nosso país, em reformas curriculares, formação de professores etc. Tudo muito importante.

Mas um primeiro passo simples e eficaz é que cientistas, engenheiros e matemáticos tomem a iniciativa, contatem escolas em sua vizinhança, começando com as de seus filhos, e façam uma ou duas apresentações por ano. São duas horas de seu tempo que podem transformar o futuro de milhares de jovens.

domingo, 5 de maio de 2013

Um sábio conselho



'Péssima ideia', me disse John Bell quando eu, ainda jovem, quis estudar as bizarras 'ações à distância'

Quando estava começando meu curso de doutorado na Inglaterra, tive a oportunidade de conhecer o famoso físico John Bell.

No meu segundo ano, após passado o temido exame de qualificação, tinha que escolher minha área de pesquisa. Meu orientador, John G. Taylor, estava interessado em teorias de unificação usando a supersimetria, a última moda no início dos anos 80, graças aos resultados dos físicos John Schwartz e Michael Green em teorias de supercordas.

A ideia era explorar modelos descrevendo as forças fundamentais da matéria em nove ou dez dimensões espaciais, eventualmente reduzindo tudo a uma teoria efetiva nas três dimensões que conhecemos.

O tópico era bem técnico --mais matemática do que física-- e não me interessei muito.

John Bell era um dos palestrantes em uma conferência em Oxford e resolvi pegar um trem e me apresentar a ele. Bell trabalhava no Cern, o mesmo laboratório onde, ano passado, descobriram o bóson de Higgs.

Mas ele era famoso por outro resultado, um teorema que revolucionou nossa compreensão do mundo quântico. Desde que era aluno de graduação na PUC-Rio, me interessava pela interpretação da mecânica quântica, no que dizia a teoria mais efetiva e mais misteriosa da física. (Leitores das minhas duas últimas colunas sabem do que falo.)

A apresentação de Bell era sobre seu teorema de 1964 e sobre recentes verificações experimentais. (Experimentos de John Clauser e Alain Aspect.) A física quântica, que trata dos átomos e das partículas subatômicas, produz efeitos muito bizarros. Entre eles, a possibilidade de que dois objetos separados por grande distância exerçam "influência" mútua mais rápida do que a velocidade da luz.

Isso vai contra toda a física anterior e a nossa intuição de que um efeito tem uma causa que, mesmo se rápida, é mais lenta do que a luz.

A mecânica quântica não explica isso, simplesmente aceitando que a coisa é assim. Extensões da teoria tentam justificar o que ocorre usando as chamadas "variáveis escondidas" de David Bohm. O teorema de Bell oferece um teste para ver se a teoria quântica é completa ou se extensões são viáveis.

Objetos quânticos devidamente "emaranhados", ou em interação, se comportam como uma unidade mesmo se separados. Por exemplo, imagine dois elétrons saindo de uma fonte em direções opostas. Imagine que estejam também girando em sentidos diferentes --elétrons não são piões, mas vamos lá.

Se o giro de um é invertido, o do outro também se inverte sem ninguém tocá-lo. O mais incrível é que isso ocorre mais rápido do que a velocidade da luz, talvez até instantaneamente, se bem que nunca poderemos confirmar se algo ocorre instantaneamente, pois nossos instrumentos não têm precisão absoluta.

Bell e os experimentos demonstraram que extensões da mecânica quântica com ação local não funcionam; a natureza é não local, isto é, sujeita às bizarras "ações à distância". Empolgado, perguntei a Bell se me orientaria. "Péssima ideia um jovem trabalhar nisso", disse. "Espere até você ter uma reputação sólida. Caso contrário, ninguém o levará a sério." Não sei se chegou a hora, mas o "fantasma quântico" vem me assombrando nesses dias.

domingo, 21 de abril de 2013

Deus, Einstein e os dados


Ao escrever que Deus não joga com dados, Einstein demonstrou incômodo com a mecânica quântica

Talvez o leitor tenha já ouvido falar da famosa frase de Einstein em carta ao físico Max Born, de 4 de dezembro de 1926, popularizada como "Deus não joga dados". Que dados e que Deus eram esses?
Einstein referia-se à física quântica, que explica o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas, como elétrons, prótons e fótons, as "partículas de luz".

Os "dados" aqui aludem a probabilidades, ao fato de no mundo quântico ser impossível determinar onde um objeto vai estar. No máximo, podemos calcular a probabilidade de ele ser encontrado aqui ou ali, com esta ou aquela energia.

Isso era bem diferente da física anterior, na qual ao saber a posição e velocidade de um objeto era possível, em princípio, determinar sua posição futura com precisão limitada só pelo instrumento de medida.
Para Einstein, uma física não determinista não podia ser a última palavra na descrição da natureza.
Outra versão, mais abrangente, deveria explicar as probabilidades e os paradoxos do mundo quântico. Aparentemente, Einstein estava equivocado. Deus joga dados sim.

A versão completa da frase de Einstein é um pouco diferente: "A mecânica quântica é certamente impressionante. Mas uma voz interior me diz que não é ainda a coisa real. A teoria diz muito, mas não nos traz mais perto dos segredos do Velho. Eu, pelo menos, estou convencido de que Ele não joga com dados".
O "Velho" aqui é uma figura metafórica representando não o Deus judaico-cristão, mas o espírito da natureza, a essência da realidade.

Para Einstein, a função da ciência é desvendar essa estrutura, revelar como funciona o mundo.
Por outro lado, ele tinha consciência de que nossas formulações científicas eram meras aproximações do que realmente ocorre: "Vejo a natureza como uma estrutura magnífica que podemos compreender apenas imperfeitamente e que deveria inspirar em qualquer pessoa com capacidade de reflexão um sentimento de humildade".

O que incomodava Einstein era a interpretação da mecânica quântica, que diferia da sua visão de mundo. Em parte, foi ele mesmo o culpado, ao propor que a luz podia ser interpretada como onda (como todos já sabiam em 1905) ou como partícula. Como é que a mesma coisa poderia se manifestar de formas tão diferentes?

A coisa piorou quando a equação descrevendo elétrons em torno de núcleos atômicos, a "mecânica ondulatória" que Erwin Schrödinger propôs em 1926, descrevia algo imaterial. Em vez de uma onda normal, como uma de água, a equação descreve uma "função de onda" cuja interpretação, proposta por Born, era muito estranha: o quadrado (para os experts, valor absoluto) da função dava a probabilidade de medirmos a partícula em determinada posição ou com determinada energia.

Ou seja, a equação fundamental da matéria não descrevia matéria!

Nesse caso, a essência da natureza não era algo de concreto, mas uma abstração matemática. A teoria funcionava, mas sua interpretação era um mistério. Esse era o problema que Einstein tinha com o Deus que joga dados. E até hoje, quando físicos começam a pensar no assunto, não conseguem evitar uma certa ansiedade, mesmo com todo o sucesso da física quântica.

domingo, 14 de abril de 2013

Quão rara é a vida no Universo?


Satélites querem identificar planetas parecidos com a Terra, mas a ciência mostra que somos raros e valiosos

NESTA SEMANA, a agência espacial americana Nasa autorizou a construção de um satélite caçador de planetas parecidos com a Terra, mas que giram em torno de estrelas distantes. Com o nome de Tess (do inglês "Transit Exoplanet Survey Satellite"), ele identificará a ligeira queda da luz estelar provocada pela passagem de um planeta à frente de uma estrela, o método do "trânsito", e deverá ser lançado em 2017.

Kepler, a missão atual, usa o mesmo método e vem identificando milhares de potenciais planetas e confirmando centenas deles. Tess buscará planetas em uma região bem mais ampla do céu, focando em estrelas mais brilhantes.

Com isso, cientistas esperam identificar planetas mais parecidos com a Terra. A questão é saber quão raro é o nosso planeta, já que a maioria das estrelas tem planetas orbitando à sua volta.

Nossa galáxia, a Via Láctea, tem em torno de 200 bilhões de estrelas. Se pelo menos metade delas tem planetas e se, em média, estrelas têm em torno de quatro planetas, chegamos a 400 bilhões de planetas só na nossa galáxia.

Como não só planetas mas também suas luas podem ter condições favoráveis à vida, o número pode chegar a um trilhão de mundos. Sabemos que ao menos um planeta nesse trilhão tem vida. Quantos outros podem ter? Milhões? Centenas? Nenhum?

Parte da resposta depende justamente da frequência com que planetas rochosos como a Terra aparecem dentro da "zona habitável", a região em torno de uma estrela onde planetas e luas podem ter água líquida. A complicação é que certas luas fora dessa zona podem ter água líquida, como é o caso de Europa, a lua de Júpiter, que tem um oceano com quatro vezes mais água do que todos os oceanos da Terra, sob uma camada de gelo de dois quilômetros de espessura.

Portanto, um otimista diria que o Universo é cheio de vida, que é questão de tempo até acharmos algum sinal disso. Afinal, com tantos planetas e luas por aí... Só que a vida é algo muito complexo. O primeiro passo --reações químicas que de alguma forma geram vida da não vida-- não é algo trivial. Tanto que não temos a menor ideia de como repeti-lo no laboratório.

Missões como Kepler e Tess poderão até identificar traços de substâncias ligadas à vida na atmosfera de exoplanetas, como o ozônio e o oxigênio. Se isso ocorrer, teremos evidência de que a vida pode existir por lá. E é muito provável que algum tipo de vida simples exista em outros mundos.

Mas se você for um entusiasta de inteligências extraterrestres, a coisa fica bem mais difícil. Da vida simples aos seres multicelulares --e destes aos inteligentes--há muitos obstáculos que dependem dos detalhes da história do planeta.

Junte a isso a ausência de contato com "eles" e vemos que provavelmente estamos sós. Se não sós, ao menos isolados neste canto da galáxia. O que significa que somos raros e valiosos. Essa é uma das grandes revelações da ciência atual. Basta o mundo se convencer disso e começar a mudar.

domingo, 7 de abril de 2013

A mágica receita cósmica


Possível sinal de matéria escura pode ser o primeiro raio de luz que iluminará nossa treva atual

A história da ciência é permeada de substâncias invisíveis e matérias obscuras.

Em 1667, o alquimista e médico alemão Johann Joachim Becher, procurando entender a combustão, propôs que substâncias queimavam devido à liberação de "flogisto": uma substância sem flogisto não queimava. A hipótese foi questionada quando se demonstrou que certos metais ganhavam peso quando queimavam, algo difícil de conciliar com a perda de uma substância.

Como solução, alguns especularam que o flogisto era mais leve do que o ar, enquanto outros sugeriram que tinha peso negativo. Esse tipo de atitude não é raro em ciência -quando uma ideia começa a falhar, medidas são tomadas para resgatá-la. Só com tempo e provas experimentais a ideia é abandonada ou modificada até fazer sentido.

Apenas em 1783 o grande químico francês Antoine-Laurent Lavoisier demonstrou que a combustão requer a presença de oxigênio e que a massa dos reagentes permanece constante em toda reação química: "Em todas as operações da natureza nada é criado; uma quantidade idêntica de matéria existe antes e depois do experimento".

Porém, confuso sobre a natureza do calor, Lavoisier propôs outra substância estranha, o "calórico". As coisas esfriam devido ao fluxo de calórico do quente ao frio. Para respeitar sua lei de conservação, o calórico não podia ter massa, sendo uma espécie de éter capaz de fluir.

O calórico, errado mas útil, foi abandonado em meados do século 19, quando se mostrou que o calor é uma forma de movimento, uma agitação da matéria.

Em pleno século 21, eis que vivemos num Universo pleno de substâncias obscuras. Observações astronômicas confirmam que a receita cósmica é um tanto estranha. Os números são revisados cada vez que um novo experimento publica resultados, como foi o caso do satélite europeu Planck há duas semanas.

Mas a estranheza permanece. Os átomos dos quais você e eu somos feitos são a minoria absoluta, contribuindo apenas com 4,9% do total. Do resto, sabemos menos.

Há duas contribuições principais: a matéria escura (26,8%) e a energia escura (68,5%). O adjetivo "escuro" vem do fato de não podermos "ver" tais substâncias. Sabemos que existem devido à sua ação sobre a matéria comum, os 4,9% que formam galáxias e estrelas.

Isso porque ambas substâncias escuras atuam gravitacionalmente: a matéria escura, provavelmente formada de algum tipo de partícula, circunda as galáxias como um véu translúcido; a energia escura, bem etérea, banha o Cosmo por inteiro e é sentida apenas em escalas gigantescas, de centenas de milhões de anos-luz. É ela a responsável por causar a aceleração do Universo.

Será que essas substâncias são nosso novo flogisto? Pouco provável. (Se bem que Lavoisier diria o mesmo do seu calórico.)

A matéria escura deforma o espaço à sua volta, fazendo com que raios de luz sejam desviados, e esse desvio é detectado.

Nesta semana, o primeiro sinal promissor de uma detecção foi feito por um instrumento da Estação Espacial Internacional. Ainda é cedo para confirmar, mas pode ser o primeiro raio de luz que iluminará nossa treva atual.

domingo, 24 de março de 2013

Do nada, tudo


Se, em ciência, todo efeito é resultado de uma causa, qual é a causa primeira do surgimento do Cosmo?

NA SEMANA PASSADA, comecei uma discussão do que chamo o "problema das três origens", focando inicialmente na questão da origem da vida. Apesar de estarmos longe de saber como a matéria inerte tornou-se viva na Terra primitiva ou de como fazê-lo no laboratório, considero essa a mais fácil das três questões.

A origem da vida é algo que podemos estudar de fora para dentro, para ter uma visão externa e objetiva do que ocorre. Mesmo que seja impossível saber exatamente como a vida surgiu na Terra, podemos investigar os possíveis caminhos bioquímicos que levam a não vida à vida. No caso do Cosmo e da mente, as coisas são mais sutis.

Pelo que sabemos, todas as culturas tentaram narrar o processo da origem do mundo. Conforme exploro no livro "A Dança do Universo", os mitos de criação sugerem um número pequeno de respostas possíveis para a origem do mundo.

Todos pressupõem a existência de alguma divindade ou poder absoluto capaz de criar o mundo. Na maioria dos casos, esse poder absoluto é um deus ou grupo de deuses. Em alguns, o Universo é eterno, sem uma origem no tempo; já em outros, o Cosmo surge do nada, de uma tendência inerente de existir.

Esse nada pode ser o vazio absoluto, um ovo primordial ou a luta entre o caos e a ordem. Nem todos os mitos de criação usam uma intervenção divina ou pressupõem que o tempo começa em um momento do passado.

Na visão científica, a origem do Universo faz parte da cosmologia. Imediatamente, encontramos dificuldades: se, em ciência, todo efeito é resultado de uma causa, podemos voltar ao passado até chegarmos na causa primeira.

Mas o que causou essa causa? Aristóteles, por exemplo, usou uma divindade, "o-que-move-sem-ser-movido", que não precisa de uma causa. Ou seja, usou a intervenção divina. Como as observações atuais apontam para um Universo com um início no passado, o desafio dos modelos científicos de origem do Cosmo é justamente tentar driblar a questão da causa primeira.

Porém, mesmo supondo que isso seja possível, será que a resposta é aceitável ou definitiva? Se o Universo surgiu de uma flutuação quântica aleatória, resolvemos a questão da causa. No mundo quântico, processos ocorrem espontaneamente, como no decaimento de núcleos radioativos. Juntando a isso o balanço entre a energia positiva da matéria e a energia negativa da gravidade, essa flutuação pode ter energia nula: o Cosmo surge do "nada".

Esse é o resultado de que tanto se vangloriam Stephen Hawking, Lawrence Krauss, Mikio Kaku e outros físicos. Mas não deveriam. É óbvio que esse nada quântico é muito diferente de um nada absoluto. Qualquer modelo científico pressupõe toda uma estrutura conceitual: energia, espaço, tempo, equações, leis...

Fora isso, hipóteses precisam ser testáveis e não sabemos como fazer isso com uma flutuação primordial. Não podemos sair do Universo e testar outras versões no laboratório. No máximo, modelos como esse chegam a uma compatibilidade com o que observamos.

A questão de por que este Universo e não outro continuará em aberto. O fato de a ciência oferecer tantas respostas não significa que ela deva responder a tudo.

domingo, 3 de março de 2013

Na catedral da física


 Passei esta semana no Cern, o laboratório europeu de física de partículas onde, em julho do ano passado, foi descoberto o famoso bóson de Higgs, infelizmente também conhecido como "partícula de Deus".

Já havia estado lá antes, como pesquisador visitante, por três meses. Isso foi bem antes da grande descoberta do ano passado, mas, para nós, físicos, o Cern já era famoso. Foi lá, em 1983, que foram descobertos outros bósons muito importantes, com os nomes menos sugestivos de W+, W-, e Z0.

Esse trio de partículas confirmou a previsão feita por teóricos, ainda na década de 1960, de que as forças eletromagnéticas e fracas (es tas responsáveis pelo decaimento radioativo) comportam-se da mesma forma a altas energias. Nesta outra realidade, as duas podem ser vistas como facetas distintas da mesma força unificada, a força "eletrofraca".

Na busca por explicações cada vez mais abrangentes dos fenômenos naturais, nada mais atrativo do que teorias que unificam entidades distintas dentro de uma mesma explicação.

A descoberta do bóson de Higgs marca o início de um novo capítulo da física de partículas. Os dados ainda não são suficientes para que se confirmem muitas das propriedades da partícula. É como se soubéssemos que a sombra que vimos projetada na parede é de um ser humano, mas ainda não sabemos se é homem ou mulher, jovem ou velho, a cor dos olhos etc. Para os detalhes, serão necessários mais dados, ou seja, mais colisões e estudos.

Como aceleradores de partículas podem ser vistos como uma espécie de supermicroscópio, quanto maior a energia da colisão (equivalente ao poder de magnificação), mais podemos decifrar das intricadas propriedades das partículas elementares de matéria.

Infelizmente, o acelerador foi fechado semana retrasada, e permanecerá assim por dois anos. O objetivo é atingir o dobro da energia atual quando reabrir em 2015. Com isso, poderemos entender melhor que sombra é essa que vimos.

O bóson de Higgs é mais uma entidade onipresente do que uma sombra; está por toda parte, como o ar que respiramos em nossa atmosfera. Aparentemente imaterial, tem substância e interage com todas as outras partículas de matéria, incluindo as que transmitem as forças entre elas, como os bósons acima mencionados.

A exceção é o fóton, a partícula de luz, que parece ser imune ao charme do Higgs. Essa imunidade explica por que o fóton é única partícula sem massa. (Talvez exista outra, o gráviton, a suposta partícula responsável pela gravidade. Mas, por enquanto, o gráviton permanece uma especulação.)

Como um espírito arredio, o bóson de Higgs é muito difícil de encontrar. Quando surge, desaparece quase que imediatamente, em menos de um trilionésimo de segundo. Ao pensar que, para encontrá-lo, foi necessária a maior máquina já construída na história da humanidade, alojada dentro de estruturas gigantescas, fica difícil não pensar nas antigas catedrais, também imensas, também dedicadas à busca de entidades um tanto etéreas.

As diferenças são muitas, mas a analogia é tentadora. A busca da ciência não deixa de ser uma forma de peregrinação.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A partícula profeta do apocalipse


O bóson de Higgs, às vezes chamado de 'partícula de Deus', tem o destino do Universo em suas mãos

Como se já não bastasse a confusão causada quando chamam o bóson de Higgs de "partícula de Deus", eis que, recentemente, a mesmíssima partícula voltou à berlinda, agora como profeta do fim.
Isso mesmo, leitores, o destino do Universo está nas mãos dessa partícula ou, mais precisamente, no valor de sua massa.

Tudo começa na cozinha, que é um excelente laboratório. Como sabemos, as propriedades de uma substância, como a água, dependem de sua temperatura: muito frio, a água congela; muito quente, evapora. Essas mudanças são conhecidas como transições de fase.

Surpreendentemente, o próprio Universo -ou a matéria nele-passou por ao menos uma ou duas transições de fase. E talvez possa passar por mais uma.

A história cósmica começa no Big Bang, que marca o início do tempo. Logo após o "bang", o espaço começou a crescer feito um balão, e a matéria nele se resfriou.

Voltando à cozinha, vemos que a expansão do Universo funciona como uma geladeira, fazendo a temperatura baixar. Será que a matéria cósmica também pode passar por uma transição de fase?
Sabemos que sim. Logo no início, a temperatura era tal que as partículas não tinham massa. A única que tinha era o Higgs, mas ele não interagia com as outras partículas.

Quando a temperatura foi baixando, o Higgs passou a interagir com as partículas com maior intensidade, dando-lhes massa. Esse processo é uma transição de fase que ocorreu quando o Cosmo tinha um trilionésimo de segundo.

Em julho do ano passado, cientistas do laboratório europeu de partículas Cern (onde estarei durante toda a semana -podem esperar algo para domingo que vem) descobriram uma partícula com toda a cara do Higgs.  Ainda não temos certeza se é o mesmo Higgs que dá massa para todo mundo, mas tudo indica que sim. O problema é a massa dele, que é entre 124 e 126 vezes maior do que a do próton.

Dependendo da massa do Higgs, o Universo pode passar por outra transição de fase, como a água, que pode ir do estado gasoso ao líquido e do líquido ao sólido.

Se isso for verdade, estaríamos na fase líquida e poderíamos cair na fase sólida. Quando muda a fase -por meio do surgimento de bolhas da fase nova na fase antiga-, muda toda a física e não sobra ninguém para contar essa história. Seria o fim do Universo, ao menos como o conhecemos hoje.

Antes de causar pânico total, algumas boas novas. Os cálculos indicando que a massa do Higgs é próxima da que causa a instabilidade baseiam-se na suposição de que nenhuma nova física (outras partículas ou forças) aparece até as energias vigentes perto do Big Bang. Possível, mas pouco provável. Também dependem de valores muito precisos das massas de certas partículas, que ainda contêm erros. Os mesmos cálculos indicam que o tempo para que o Universo mude para a nova fase é de bilhões de anos.

Resumindo, a possibilidade de transição existe, mas nada é conclusivo e, se ocorrer, deve demorar.
Na semana que vem, falarei com os físicos responsáveis pelo cálculo para ver se têm algo novo. Talvez eu mesmo adicione algo à conta, quem sabe ajudando a salvar o Universo.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Universo ou universo?

 Vejam só como uma questão de ortografia esconde muito mais do que apenas escolhas estilísticas.

Basta pegar alguns livros de divulgação científica, ou reportagens aqui mesmo na Folha, e o leitor se depara com a palavra "universo" ora com letra minúscula, ora com maiúscula. Existe algo nada sutil aqui, e que diz muito sobre como pensamos sobre o Cosmo.

 A posição mais comum, e que considero a pior, é simplesmente adotar "universo" indiscriminadamente. Mas que Universo é esse? Segundo teorias da cosmologia moderna, temos de tomar cuidado com referências ao Cosmo. Há vários "universos" e uma distinção é essencial. Ancorando a discussão no que temos de mais sólido, nossas observações, sabemos que podemos apenas "enxergar" -isso é, obter informação- de uma parte limitada do Cosmo.

Isso, por dois motivos. Primeiro, nada viaja mais rápido do que a luz, o que significa que a informação demora para vir de longe até nós. Segundo, porque o Cosmo tem uma existência finita, começando 13,7 bilhões de anos atrás. Juntando as duas coisas, vemos que no máximo podemos saber sobre objetos que nos enviaram informação (através de luz e outros tipos de radiação eletromagnética) há 13,7 bilhões de anos.

E, como estrelas e galáxias só surgiram uns 200 milhões de anos após o "bang" inicial, o limite que temos é em torno de 13,5 bilhões de anos. O que existe além dessa fronteira -chamada de horizonte- nos é inacessível. Falamos, então, do "universo observável", aquele que podemos medir. Este, prefiro chamar de Universo, já que temos confiança na sua existência e somos parte dela. Ele é tudo o que há no nosso horizonte e, considerando o fato de o Cosmo estar em expansão, está a 42 bilhões de anos-luz de distância.

É a fronteira do conhecimento astronômico. Mas o Universo não termina necessariamente no limite do que podemos ver. Muito provavelmente se estende além da fronteira do mensurável. Meio como o mar, que se estende além do horizonte que vemos da praia: sabemos que existe mais mar além da linha do horizonte, mesmo se não podemos enxergá-lo da nossa posição.

A essa continuação do Cosmo além do visível e que, em princípio, não é tão diferente do que podemos ver dentro do nosso horizonte, chamo de universo. Não merece o "U" pois não sabemos ao certo se está lá e o que existe por lá. Podemos especular que as coisas além do horizonte não são muito diferentes daqui, mais galáxias e estrelas, mas não podemos ter certeza disso. Daí o "u". Porém, o universo contêm o Universo.

 Temos que continuar. Afinal, hoje se especula que o Universo não é único, mas parte de algo mais vasto, uma entidade que pode conter muitos universos chamada de "multiverso". Claro, não sabemos se o multiverso existe. Pior, parece ser impossível confirmar sua existência, visto que sua extensão está além do nosso Universo.

No máximo, como calcularam alguns colegas, podemos ter informação de colisões de nosso Universo com universos vizinhos, caso tenham ocorrido no passado. (Até agora, nada de muito conclusivo.) Mas saber de um vizinho ou dois não é o mesmo do que saber de um país inteiro. De concreto, temos apenas o nosso Universo, já repleto de mistérios.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O baile do outro lado da galáxia

 Enquanto no Brasil a folia só cresce em meio ao calor e ao suor tropical, aqui no norte da Nova Inglaterra (EUA) acabamos de passar por uma gigantesca tempestade de neve que soterrou carros e plantas sob um espesso manto branco.

 "Coitados", dizem vocês, bebendo cerveja, seminus na praia ou na avenida, festejando esse hedonismo tão nosso. Ledo engano, digo eu e diriam muitos aqui se soubessem desse outro mundo que existe ao sul do Equador. Não sabem mesmo. São mundos paralelos, separados por uma enorme barreira cultural e outra, maior ainda, geográfica. A internet vai longe, mas não deixa ninguém tocar na neve. "Coitados", não, pois a beleza e o jeito de viver adotam várias formas, e supor que uma é melhor do que outra é, no mínimo, presunção.

 As aulas aqui foram canceladas porque os ônibus escolares não conseguem atravessar as ruas já cobertas de neve. Para as crianças, nada mais paradisíaco do que passar o dia construindo bonecos de neve com os amigos da vizinhança e inventando batalhas contra monstros invisíveis.

Depois, é se aconchegar em frente à lareira tomando chocolate quente com marshmallow. Os risos são os mesmos lá e cá. Qual criança ou adulto não gosta disso? E do outro lado da galáxia, o que anda acontecendo? Será que as crianças estão no baile, fantasiadas de alienígenas? Ou na neve, fazendo monstros com dois braços, duas pernas e uma cabeça?

Imagine que horror, seres bípedes em vez de rastejantes feito elas. Os monstros de uns são os ídolos de outros. São cerca de 200 bilhões de estrelas na Via Láctea, dos quais pelo menos 20% têm planetas girando à sua volta, feito o nosso Sol. Se existem planetas, existem também luas, provavelmente em número ainda maior. Pense que só Júpiter tem mais de 60. Imagine a noite por lá, com um monte de luas no céu. 

Quando vemos a diversidade da vida na Terra e a diversidade cultural da nossa própria espécie, adaptada a climas e situações geográficas tão diferentes, como não pensar no que pode estar ocorrendo neste momento em outro canto do Cosmo? Vendo tudo isso aqui, como imaginar que a vida é rara e, a vida inteligente, mais rara ainda?

 O mais razoável é imaginar o oposto, que a vida, tal como ocorre por aqui, está por toda parte: no fundo do mar, sob quilômetros de gelo, no alto das montanhas, no ar. Junte-se a isso o fato de as leis da física e da química serem as mesmas pelo Universo afora e fica difícil achar que somos exceção e não a regra.

No entanto, muito provavelmente, somos, sim, a exceção. Ao contrário do que muitos de meus colegas pregam, mais por preconceito do que por evidência, o Universo não abriga a vida de braços abertos. Basta olhar para os outros planetas e luas à nossa volta para constatar que são mundos inóspitos, onde a vida não tem chance. Se houver alguma forma de vida, quem sabe no subsolo marciano ou nos oceanos gelados de Europa, será primitiva, longe da sofisticação que vemos aqui.

Se existem outros seres inteligentes na galáxia, nada sabemos deles. Ficamos nós aqui neste oásis, quente no sul e gelado no norte, com crianças pulando nos bailes ou na neve, celebrando nossa raridade. No calor ou no frio, a festa é de todos nós.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Sonhos de um visionário


Johannes Kepler, um dos personagens mais fascinantes da ciência, é também o mais desconhecido entre os grandes 

Dos grandes patriarcas da ciência, Johannes Kepler (1571-1630) é o menos conhecido. Os feitos de Isaac Newton e da sua lei da gravidade (e das leis de movimento, da ótica e a criação do cálculo), de Galileu e de suas descobertas com o telescópio (e da lei da queda livre, do movimento pendular), e de Copérnico, o homem que pôs o Sol no centro do Sistema Solar, são conhecidos.

E o pobre do Kepler? Temos de coçar a cabeça, tentando lembrar do que fez. Eu bem que tentei ajudar, escrevendo um romance sobre a vida e obra dele: "A Harmonia do Mundo". Mas o que um romance pode fazer contra o mártir da ciência (Galileu), o maior gênio de todos os tempos (Newton, talvez) ou o impetuoso herói que mudou nossa percepção do Cosmo (Copérnico)?

 Temos de resgatar a obra de Kepler, sem dúvida um dos personagens mais fascinantes da história da ciência. Kepler descobriu as três leis do movimento planetário: planetas giram em torno do Sol em órbitas elípticas; a linha imaginária que os liga ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais; e o quadrado do período da órbita do planeta está para o cubo da distância dele ao Sol. Escrito assim, parece mesmo meio sem graça.

Mas, como tudo na vida, o que importa é o contexto. Kepler foi o elo entre a Antiguidade e a Modernidade, um visionário que sonhava em demonstrar que o Cosmo, em sua ordem, era produto de uma mente divina versada nas leis da geometria. Para ele, fiel ao que pregavam Pitágoras e depois Platão, apenas através da matemática seria possível descrever a harmonia da criação.

A relação entre o homem e o Cosmo respondia às mesmas ressonâncias que ditavam a beleza da música e o arranjo das órbitas planetárias. Nisso, Kepler via uma unificação profunda no universo, expressa através das interações entre o tempo, o espaço e a alma humana. O homem era parte indissolúvel dessa ressonância cósmica.

Na juventude, Kepler buscou justificar a astrologia através de leis ligando o homem ao Cosmo, algo que despertou grande inquietude em sua vida. Se sua espiritualidade nos parece hoje um tanto inocente, vale lembrar que o sonho de uma harmonia universal o inspirou por toda a vida e foi o responsável pelas suas incríveis descobertas: as primeiras leis matemáticas da astronomia baseadas em dados observacionais.

 Kepler descobriu a elipse não porque a procurava, mas porque era a única curva consistente com os dados em que baseava seus estudos, obtidos pelo excêntrico nobre e astrônomo dinamarquês Tico Brahe. Nisto, mostrou sua incrível modernidade científica: se uma teoria está em conflito com dados, mude a teoria. O círculo, após reinar por milênios, finalmente caiu.

 Mesmo que sua busca por uma harmonia cósmica, o "mistério cosmográfico", fosse mais um devaneio do que ciência, ela representava a aspiração mais nobre do ser humano: transcender sua existência em busca de um saber eterno. Hoje identificamos essa mesma vertente em teorias de unificação da física, também fundadas em aspirações de uma harmonia universal, agora baseada em vibrações de cordas fundamentais: a nova harmonia do mundo.

Como Kepler, sonhar é preciso. Como Kepler, o sonho só serve se, ao acordarmos, entendermos melhor o mundo real.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Grandes questões

Nos últimos 400 anos, milhares de homens e mulheres usaram o método científico para construir um corpo de conhecimento único que transformou a humanidade. 

Baseado na formulação de hipóteses e nos seus testes empíricos, o método oferece um processo de construção progressiva, em que descrições cada vez mais abrangentes dos fenômenos naturais são obtidas.

Da física de Newton, que descreve a gravidade como uma ação à distância entre corpos com massa, à relatividade de Einstein, que descreve a gravidade como resultado da curvatura do espaço em torno de objetos com massa, uma quantidade cada vez maior de fenômenos naturais foi compreendida.

O mesmo ocorre com a mecânica newtoniana e sua extensão para a mecânica quântica, que descreve os átomos e suas partículas. Ou da biologia com Darwin e a subsequente revolução na genética. Dessa compreensão e de suas aplicações vem a tecnologia, parte indissolúvel de nossas vidas.

Esse acúmulo de conhecimento não ocorreu ao acaso. Ideias, por mais belas e convincentes que possam parecer, só se tornam parte do corpo de conhecimento científico após serem testadas no laboratório.

Mais precisamente, uma teoria só é aceita enquanto não for provada errada ou incompleta. Não existem explicações finais; apenas descrições satisfatórias dentro do que podemos testar.

Com o avanço da tecnologia, esses testes tornam-se cada vez mais refinados. É justamente dessa maior precisão que falhas nas teorias aceitas podem surgir. Sem o constante refinamento das tecnologias usadas, ficamos sem meios de testar novas ideias. E o avanço do conhecimento estagna.

Essa é uma preocupação constante dos cientistas, especialmente daqueles cujas ideias e teorias envolvem testes que empregam tecnologias avançadas e, em geral, caras. Quem não fica maravilhado com as imagens espetaculares de galáxias e nebulosas distantes do Telescópio Espacial Hubble ou de um dos telescópios gigantes no topo de montanhas no Havaí e no Chile? E a descoberta do bóson de Higgs, a tal "partícula de Deus"?

Galáxias a 10 bilhões de anos-luz ou partículas subatômicas que existem por menos de um bilionésimo de segundo parecem ser realidades distantes do nosso dia a dia, com contas a pagar, trânsito, questões sociais e políticas diversas. Há quem diga que são essas as questões fundamentais, que investir no conhecimento mais abstrato é perda de tempo e de insumos fiscais.

Não há dúvida de que problemas sociais e políticos precisam de nossa atenção. Não há dúvida também de que projetos científicos de larga escala são caros. Porém, a resposta não precisa ser "isso ou aquilo". Não precisa e não deve.

Se deixarmos de questionar o sentido profundo das coisas e nos dedicarmos apenas ao imediato, abandonaremos um dos aspectos mais nobres da humanidade: a necessidade de nos questionar sobre o mundo, sobre nosso papel nele e nossas origens. Deixaremos de construir pontes entre as várias vertentes do conhecimento, que enriquecem nossa visão de mundo.

Uma sociedade que deixa de se indagar sobre as grandes questões está fadada ao retrocesso. O espírito humano precisa do novo para crescer.


domingo, 20 de janeiro de 2013

Questionando a realidade


 Na ciência, um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis 

 A realidade pode ser mais estranha do que a ficção. Na ciência, os efeitos quânticos, que aparecem quando estudamos objetos muito pequenos, certamente são mais estranhos do que podemos imaginar. Um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis, como o gato de Schrödinger, morto e vivo ao mesmo tempo.

 Mas como sabemos que esses efeitos de fato ocorrem? E por que não vemos isso normalmente? Qual a fronteira entre a realidade quântica, com seus efeitos bizarros, e a nossa realidade comum?

 Essas respostas só podem ser dadas através de experimentos. Foi assim que ficou determinada a mais estranha das propriedades quânticas, que está por trás de todo esse mistério: a dualidade partícula-onda. Desde os atomistas gregos, costumamos visualizar a matéria como feita de partículas, objetos minúsculos e indivisíveis. O elétron, que gira em torno do núcleo atômico, é um exemplo popular. Mas em 1924, Louis de Broglie propôs algo inusitado: o elétron é também uma onda. E não só ele, como todas as outras partículas; as entidades fundamentais da matéria têm dupla identidade, a dualidade partícula-onda.

 O estranho disso é que partículas e ondas têm propriedades muito diferentes: partícula são localizadas, ocupam pouco volume no espaço; ondas se espalham. Em 1927, Clinton Davisson e Lester Germer observaram a difração de elétrons ao passarem por um cristal de níquel, um efeito típico de ondas. A difração ocorre, por exemplo, quando ondas passam por duas fendas. Imagine ondas de água passando por uma barragem com apenas duas portinholas, ou ondas de luz passando por uma parede com duas fendas. Elas interferem e criam um padrão de estrias claras e escuras num anteparo. Se repetíssemos o experimento atirando balas (partículas) através das fendas, elas iriam se amontoar no anteparo bem atrás das fendas: balas não interferem entre si, não sofrem difração.

 No experimento de Davisson-Germer, o cristal de níquel fazia o papel da parede com fendas. Em 1989, Akira Tonomura, do Japão, conseguiu fazer o experimento de elétrons passando por fendas. Os resultados foram bizarros. Ele mostrou que um elétron, passando sozinho pelas fendas, interfere com ele mesmo: ou seja, o elétron se comporta como uma onda passando pelas duas fendas ao mesmo tempo!

 O que ocorre com "partículas" maiores? Qual o limite de tamanho em que as características de onda são "perdidas"? Devido a incríveis avanços tecnológicos, experimentos de difração foram feitos com nêutrons, átomos, e até moléculas, centenas de vezes maiores do que átomos. Um exemplo é o experimento de Anton Zeilinger e seu grupo da Universidade de Viena, que em 1999 demonstrou a interferência de moléculas com 60 átomos de carbono, as "bolas de Bucky", que parecem bolas de futebol.

 Quanto maior o objeto, mais sutil é sua interferência, que fica difícil de demonstrar. Imagine uma bola de futebol fazendo dois gols ao mesmo tempo. Isso ocorre no mundo quântico. A próxima etapa é tentar experimentos com vírus. O que ocorre quando seres (quase) vivos passam por duas fendas ao mesmo tempo? E seres vivos?

domingo, 13 de janeiro de 2013

Ode ao planeta


Minidocumentário incrível se inspira na transformação pela qual passam os que veem a Terra do espaço

"Me lembro da decolagem, que é uma experiência inesquecível. Os motores foram desligados e me senti sem peso. Flutuei até a janela e vi que estávamos sobre a costa da África. Foi então que entendi que estava no espaço. Fiquei incrivelmente excitado pois era algo que queria fazer desde que tinha seis anos de idade."

Esse depoimento, do astronauta americano Jeff Hoffman, que tripulou o ônibus espacial, faz parte de um minidocumentário incrível, inspirado no chamado "efeito visão total", sugerido pelo escritor Frank White em 1987 para descrever a profunda transformação emocional que astronautas sentem ao olhar para a Terra do espaço.

(Em inglês, chama-se "overview effect", que se traduz mal para o português. Escolhi "visão total" pois faz referência ao cerne do efeito, a visão total da Terra.) Eis o link do vídeo que sugiro a todos, mesmo se não souberem inglês: http://vimeo.com/55073825.

"Você começa com uma expectativa do que vai ver, mas nada se compara ao que é visto de fato. É tão mais bonita do que você imagina, essa coisa dinâmica, brilhante, cheia de vida... É o nosso poema," disse Nicole Stott, astronauta da Estação Espacial Internacional.

"As luzes das cidades, a linha separando noite e dia, estrelas cadentes passando abaixo da gente, as auroras dançando nos céus, as tempestades e os raios subindo e descendo... Tudo ao mesmo tempo, passando rápido pela espaçonave, tão difícil de descrever," disse outro.

Edgar Mitchell, que ficou em órbita em torno da Lua numa missão Apollo enquanto seus companheiros estavam no solo, descreve como via a Terra, o Sol e a Lua passando a cada dois minutos e como o estudo da astronomia e da cosmologia- que ensinaram-lhe como toda essa matéria, incluindo a nossa, veio de estrelas que explodiram bilhões de anos atrás e como toda a matéria tem os mesmos átomos- deu-lhe um profundo sentido de união com a totalidade do Cosmos.

Em todos os depoimentos se vê uma profunda reverência com o nosso planeta, uma emoção primal que remete os que a sentem a um estado de transcendência em que o "eu" deixa de ser importante, e o que existe é o coletivo.

Os astronautas da Estação Espacial Internacional, em especial, passam a maior parte de seu tempo livre olhando para a Terra, observando seus detalhes em um estado contemplativo que só pode ser descrito como espiritual. Uma coisa é estar aqui, no meio da confusão, das vozes e luzes, do crime, das disputas e guerras. Outra é ver tudo de longe, como uma entidade única, o peixe que vislumbra o oceano como um todo e entende de onde vem.

O "efeito visão total" traz uma compreensão da profunda unidade entre a Terra e a vida nela, um planeta azul viajando pelo espaço, uma espaçonave ele também, um organismo vivo e profundamente frágil.
Pensar que o manto que protege a vida na Terra, a atmosfera, é fino como a casca de uma maçã e que, sem ele, não poderíamos sobreviver.

De longe, os astronautas veem o impacto negativo da nossa presença. E temem pelo futuro do planeta e da nossa espécie. A Terra, vista como um todo, é o símbolo da nossa era. E a necessidade imperativa de sua preservação deveria ser o nosso mantra.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Universos em colisão


Imagine que outras porções do espaço, vizinhas da nossa, também sejam universos, como ilhas

Talvez alguns dos leitores se lembrem do best-seller de Immanuel Velikovsky, "Mundos em Colisão", publicado em 1950. Nele, Velikovsky tenta demonstrar a veracidade de várias catástrofes registradas nos mitos de culturas antigas usando supostos eventos astrofísicos.

Velikovsky imaginou que Vênus foi ejetada de Júpiter como um cometa no século 15 a.C., tal como, na mitologia grega, Atena é ejetada da cabeça de Zeus. A passagem do "cometa Vênus" perto da Terra em diversas ocasiões teria gerado uma série de catástrofes.

As ideias de Velikovsky foram sumariamente refutadas pela comunidade astronômica. Mas seu catastrofismo continua a tradição de várias religiões, como mostro no livro "O Fim da Terra e do Céu".

Embora dramáticos, os eventos imaginados por Velikovsky não se comparam ao que a cosmologia moderna anda propondo. Não falo dos efeitos da aproximação de cometas, mas de colisões de universos inteiros, inclusive o nosso. Bem-vindos ao catastrofismo cósmico.

O Universo surgiu 13,7 bilhões de anos atrás e vem se expandindo desde então. Porém, observações atuais indicam que essa expansão não foi sempre regular. Logo no início, o Cosmo aparentemente passou por um período de expansão acelerada, chamado de inflação.

Segundo essa teoria, o Universo inteiro teria se originado de uma pequena porção de espaço que foi estirada como uma tira de borracha por um fator de cem trilhões de trilhões em uma fração de segundo.

Nosso Universo cabe nessa região inflada, como uma ilha no oceano. Imagine que outras porções de espaço, vizinhas da nossa, tenham também sido estiradas, mas de maneiras diferentes. Teríamos, então, uma espécie de oceano repleto de universos-ilhas, cada qual com a sua origem, tipos de matéria etc. -é o chamado Multiverso.

Como a física é uma ciência empírica, qualquer hipótese precisa ser testada. Isso é tanto verdade para uma bola que rola ladeira abaixo quanto para o Universo todo.

No caso da bola, basta descrever como a gravidade e a fricção do solo agem sobre ela; no caso da inflação, ela prevê que nosso Universo seja geometricamente plano e repleto de radiação com a mesma temperatura em todas as direções -ambas previsões confirmadas.

Se não podemos receber informação de fora do nosso Universo (ou além do "horizonte", a esfera que delimita o quanto a luz pôde viajar em 13,7 bilhões de anos de expansão), como provar a existência de outros universos?

Tal como bolhas de sabão, que vibram quando colidem sem se destruir, se outro universo colidiu com o nosso no passado distante, a radiação dentro do nosso Universo teria vibrado devido às perturbações criadas pela colisão.

Essas perturbações estariam registradas na radiação que permeia o Cosmos e podem, em princípio, ser observadas: seriam anéis concêntricos onde a radiação teria temperatura um pouco mais alta ou baixa. A notícia ruim é que a probabilidade de colisão com outro universo aumenta com o tempo: podemos desaparecer a qualquer instante!
A boa é que os anéis ainda não foram encontrados. Mas sua possível existência demonstra a diferença entre ciência e especulação.