domingo, 31 de julho de 2011

Em busca de significado




A ciência nos ensina sobre a nossa íntima relação com o Universo: a matéria da qual somos feitos é também a de estrelas, planetas e luas

AQUI NA coluna, abordamos tanto questões mais imediatas, como o aquecimento global e a crise energética, como as mais fundamentais, como o significado do tempo e o debate entre a ciência e a religião.

Hoje, gostaria de abordar uma questão que, a meu ver, está no cerne do antagonismo entre a ciência e a religião: será que o desenvolvimento científico criou um vazio espiritual? Será que a ciência só serve para gerar fatos e dados sobre o mundo natural?

Ou será que pode ir mais fundo, talvez criando uma nova forma de espiritualidade?
Para começar, cito meu livro "O Fim da Terra e do Céu":

"O desenvolvimento da ciência nos séculos 18 e 19, baseado na interpretação racional dos fenômenos naturais, foi seguido, ao menos no Ocidente, por um abandono progressivo da religião. O conforto espiritual encontrado na fé foi gradualmente abandonado, em nome de um sistema de pensamento secularizado. O historiador da religião S. G. F. Brandon expressou claramente tal preocupação quando escreveu: 'Para os pensadores do Ocidente, nenhuma missão pode ser mais urgente do que a resolução desse dilema, se possível produzindo uma filosofia da história adequada, isto é, que justifique o sentido da vida dos homens dentro de sua duração temporal finita'."

Logo a seguir, pergunto se, ao vermos a ciência além de seu papel de quantificadora da Natureza, podemos talvez encontrar ao menos parte desse "sentido": "Talvez fosse isso que Einstein tinha em mente quando introduziu o seu 'sentimento cósmico religioso', a inspiração essencialmente religiosa por trás do ato racional de compreendermos o Cosmos. A ciência e a religião nascem das mesmas ansiedades que torturam e inspiram o espírito humano. E a conexão entre as duas é a nossa existência finita em um Cosmos aparentemente infinito".

Obviamente, o tempo também complica as coisas, pois a perda dos que amamos e a nossa própria mortalidade são causas de muita dor.

Nessas horas, encontro consolo em muitas coisas. Mas uma das mais significativas é o que a ciência nos ensina sobre nossa íntima relação com o Universo: a matéria da qual somos feitos é também a matéria das estrelas, dos planetas e de suas luas, e de todos os seres vivos.

O tempo que usamos para descrever as transformações que experimentamos é o mesmo da expansão cósmica. O tempo passa para o Universo também. Como escreveu o naturalista americano John Muir, "ao movermos uma única coisa na Natureza, descobrimos que ela está presa ao resto do Universo".

Não existe uma solução única para os nossos anseios. Não sei onde você encontra sentido para a sua vida. No meu caso, a busca se desdobra em muitas trilhas.

Ao tentar entender um pouco mais sobre os mistérios do mundo natural; na convivência com minha família e amigos; em saber que sou um ser humano no nosso raro planeta Terra. Para mim, o sentido não está na ciência em si, mas na busca pelo conhecimento. Talvez seja assim também com um músico, que dá sentido à sua busca tocando o seu instrumento. As técnicas nos dão os meios, mas não são um fim em si mesmas. É tocar, e dividir a música com os outros, que importa.



domingo, 24 de julho de 2011

Conversa sobre o nada





A física quântica leva à conclusão de que o nada, no sentido de ausência de tudo, não existe


O nada, por incrível que pareça,vem ocupando a imaginação de filósofos e cientistas há milênios. Coisa simples, não é? Imaginar a ausência de tudo, o vazio absoluto, não deve ser tão complicado. Grande engano. Se a ideia do nada como a ausência total de matéria é trivial, quando pensamos um pouco mais sobre o assunto, a coisa complica.

Foram os atomistas Leucipo e Demócrito, na Grécia do século 5 a.C., que tiveram uma grande sacada: e se o cosmo contivesse duas coisas, os átomos que constituem a matéria e o vazio onde se movem? Com isso, na ausência de um átomo, existe apenas o espaço vazio. 


Aristóteles, um século mais tarde, descartou a ideia. Para ele,o espaço vazio era uma impossibilidade. Existe sempre algo preenchendo o vazio, que ele chamou de "éter". Caso contrário, ponderou, objetos poderiam atingir velocidades infinitas, algo que não parecia possível. 


As ideias sobre o vazio de Aristóteles, Mesmo que transformadas, retomaram força com o francês René Descartes no século 18. Para ele, o vazio também não existia. Uma forma de matéria fluida preenchia o espaço. 


Para explicar as órbitas dos planetas em torno do Sol ou da Lua em torno da Terra, descartes supôs que esse fluido, ao girar, criava uma espécie de redemoinho que levava os planetas em suas órbitas. 


Newton, um pouco mais tarde, demonstrou matematicamente que o espaço não pode ser preenchido por um fluido: sua viscosidade faria com que os planetas espiralassem sobre o Sol. O nada voltou a existir.


Quando, no século 19, foi descoberto que a luz é uma onda eletromagnética, a questão do meio material em que essa onda se propagava veio à tona. Afinal, ondas de água se propagam na água, ondas de som no ar. Qual o meio em que as ondas de luz viajavam? Foi sugerido que o espaço, afinal, não era vazio; existia uma espécie de fluido que permitia a propagação das ondas de luz. Em 1887, porém, um experimento que visava confirmar a existência do éter falhou. A luz e a sua propagação se tornaram um grande mistério, que só foi resolvido em 1905, quando Einstein propôs que a luz não precisava de meio algum para se propagar. O nada voltou, triunfante. Mas não por muito tempo. 


Na década de 1920, com a mecânica quântica, a física que estuda os átomos e partículas, ficou claro que conceitos do nosso dia a dia precisavam ser revisados radicalmente. Entre eles, a noção de que objetos podem ficar parados. 


No mundo dos átomos, tudo vibra incessantemente. Com isso, sempre existe uma energia residual, cujo valor flutua aleatoriamente. Juntando isso ao fato de que a energia e a matéria estão intimamente relacionadas, flutuações de energia são convertidas em partículas de matéria.


Dadas as flutuações de energia,partículas de matéria podem surgir do nada. A física quântica leva à conclusão de que o nada, no sentido de ausência de tudo, não existe.


Em1998, essa história ganhou um novo capítulo. Foi descoberto que o Universo está em expansão acelerada. 


Entre as explicações sugeridas para isso, a mais plausível é que o efeito seja gerado pela energia do vazio, as tais flutuações quânticas. 
Nesse o caso, o nada, ou sua versão quântica, é responsável pelo destino do nosso Universo. 


domingo, 17 de julho de 2011

Aquecimento: guia para os perplexos

Mesmo que o clima da Terra tenha oscilado em seu passado, o aquecimento dos últimos cem anos está ligado aos gases poluentes Discussões sobre o aquecimento global geram posições bastante polarizadas.

Uma das causas, fora a manipulação da opinião pública por grupos de interesse, é uma certa confusão com relação a fatos básicos sobre a ciência do clima.

Por isso, apresento um breve resumo do que sabemos e do que não sabemos a respeito. Claro, o espaço aqui permite apenas que toque em alguns dos pontos mais importantes. Mas espero que ajude.
1)A Terra é um sistema finito, que recebe a maior parte de sua energia do Sol. Outra fração vem do decaimento de isótopos radioativos e da liberação de calor do núcleo.
2)O Sol emite radiação principalmente no espectro visível, correspondendo à cor amarela. Parte da radiação é refletida ao espaço e parte é absorvida e refletida perto da superfície. Um carro, estacionado sob o Sol com as janelas fechadas, fica bem mais quente.
3)A retenção do calor se dá devido a certos gases, responsáveis pelo efeito estufa: vapor d'água, dióxido de carbono, metano e ozônio. Sem a ação deles, a Terra seria 33 graus Celsius mais fria.
4)Nos últimos cem anos, a temperatura global aumentou em 0,74 grau Celsius. O nível do mar aumentou uns 20 cm.
5)Esses dados não estão em disputa. O que é controverso é a causa dos aumentos: natural ou antropogênica, ou seja, causada pela atividade humana.
6)A Terra passou por muitos períodos de aquecimento no passado. Evidências extraídas de amostras de gelo na estação russa Vostok, na Antártica, permitiram que se estabelecesse uma relação direta entre o aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera e a temperatura nos últimos 400 mil anos. As temperaturas máximas correspondem a uma concentração do gás de 280 partes por milhão (ppm).
7)Esse número deve ser comparado com a concentração medida nos últimos 50 anos, que mostra um crescimento linear de 310 ppm (1958) a 385 ppm (2008), bem acima do máximo nos períodos de aquecimento no passado. Esse aumento está diretamente relacionado com o aumento da população mundial e do consumo de combustíveis fósseis, fontes do gás.
8)A Terra passou por recentes flutuações regionais de temperatura; um ligeiro aquecimento na Idade Média (entre os anos de 905 e 1250) e um ligeiro resfriamento (Pequena Idade do Gelo) que afetaram a região do Atlântico Norte. A variação de temperatura foi de 0,2 grau.
9)O Sol tem um ciclo natural de 11 anos em que sua irradiação oscila periodicamente. Quando o Sol está mais ativo, é de esperar que a Terra aqueça. Contudo, não existe uma correlação direta entre o ciclo solar e o clima terrestre. Os resultados parecem contradizer a expectativa: mesmo que a última década tenha sido a mais quente nos últimos cem anos, o Sol tem ficado bem calmo, estando com seu ciclo atrasado.

Mesmo que a Terra tenha passado por períodos de aquecimento e resfriamento em seu passado, o aquecimento dos últimos cem anos está relacionado com uma maior concentração de gases poluentes na atmosfera e uma maior taxa de deflorestamento. Essa é a conclusão da maioria dos cientistas e das academias de ciência em todo o globo. 


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

domingo, 10 de julho de 2011

Cientistas contra acusações




Um resultado científico é válido, em uma margem de erro, até que uma nova descoberta científica seja anunciada e bem avaliada



No final de junho, bem antes do dia da independência nos EUA, a Associação Americana para o Avanço da Ciência, organização semelhante à nossa SBPC, circulou um manifesto contra os ataques que vários cientistas que pesquisam a questão do aquecimento global têm recebido, alguns até incluindo ameaças de morte.

O manifesto, que toca na liberdade acadêmica e na relação entre a pesquisa científica e o desenvolvimento de políticas governamentais, é uma análise lúcida e direta de como funciona a ciência e do que necessita para ser bem sucedida:

"A ciência avança por meio de um sistema em que resultados são divididos e avaliados criticamente por outros cientistas, e experimentos são repetidos quando necessário. Desacordos sobre a interpretação de dados, de metodologia e de descobertas são parte do discurso diário da ciência. Cientistas não deveriam ser submetidos a investigações de fraude ou serem perseguidos por gerarem resultados controversos. A maioria das desavenças científicas não está relacionada com qualquer tipo de fraude, mas é parte legítima do processo científico."

O conhecimento científico avança, mas não em linha reta. Conforme escrevi na semana passada, o resultado científico, mesmo se correto, é válido apenas em uma margem de erro. Quando uma nova descoberta é anunciada, cabe à comunidade julgar o seu valor. Quanto mais importante a descoberta, mais cuidadosa deve ser esta análise.

A pesquisa climática funciona exatamente assim. Perseguir cientistas como se fossem políticos corruptos é ridículo e inútil. Como nem todo cientista é infalível ou virtuoso (como médico, juiz, jornalista, bombeiro ou professor), o processo científico se protege dessas falhas pessoais: mais cedo ou mais tarde, dados errados ou fraudulentos são descobertos. Erros podem persistir por um tempo, mas não indefinidamente. Essa é a força da ciência.

Portanto, pergunto o que se passa na mente das pessoas que tentam denegrir cientistas que trabalham com mudanças climáticas. Acho que existem várias respostas. Uma delas é a ignorância de como a ciência funciona. Outra, é a manipulação por políticos, por membros da mídia com agendas políticas claras ou pela indústria de combustíveis fósseis, que tratam qualquer evidência sobre aquecimento global como uma ameaça.

A pior parte é que a indústria de petróleo é um dinossauro tecnológico do qual todos nos alimentamos. Mesmo que a exploração de petróleo conte com tecnologia de ponta, historicamente, combustíveis fósseis vêm alimentando o crescimento industrial da humanidade nos últimos 200 anos. Está na hora de criarmos novas alternativas.

Quando penso nos 7 bilhões de pessoas neste planeta, e na iniciativa de encontrar energias alternativas que sejam beneficiais ao planeta e à humanidade, fica difícil entender a resistência de alguns ao aquecimento global.

Mesmo se as previsões climáticas estiverem equivocadas (e não estão), o que temos a perder mudando nossos hábitos para proteger melhor nosso planeta? A Terra existia já bem antes da gente, e vai continuar a existir sem nós. Mas nós não existiremos sem ela.

domingo, 3 de julho de 2011

A verdade e o erro


Podemos não ser a medida de todas as coisas, mas o fato de sermos criaturas que conseguem medir as coisas é algo notável

NO Domingo passado, o jornalista Carl Zimmer publicou um artigo no "New York Times", no qual argumentou que, na prática, a ciência é bem menos eficiente em corrigir seus erros do que se acredita. Ele cita uma série de exemplos da literatura científica recente, quando um resultado publicado gera uma série de críticas de membros da comunidade, mas raramente uma tentativa de duplicação no laboratório. Essa questão, de fato, toca a essência do método científico.

A refutação de um resultado experimental ocorre apenas após outros grupos falharem na tentativa de replicá-lo. Por outro lado, a repetição de um experimento requer imenso cuidado. As condições experimentais devem ser replicadas exatamente, incluindo os vários compostos químicos usados.

Está claro que a reprodução de um resultado experimental é problemática. Ademais, o ganho em fazê-lo não é dos maiores. Afinal, cientistas querem ser os primeiros a descobrir algo de novo, e não a provar que a descoberta de um colega é incorreta. Porém, mesmo sem ter o mesmo glamour, a refutação experimental é extremamente importante. Sem ela a ciência simplesmente não funcionaria.

Na prática, nenhum experimento pode ser exatamente duplicado. Temos que nos contentar com o melhor possível. Um cínico (ou um pós-modernista) poderia argumentar que esse é o calcanhar-de-aquiles da ciência: se não é possível duplicar exatamente um experimento, como podemos nos certificar de que seu resultado está certo? Como descobertas científicas podem ser consideradas como a "verdade"?

Isso me lembra o ditado atribuído ao filósofo grego Heráclito: não podemos entrar no mesmo rio duas vezes. Felizmente, em ciência ao menos, isso não é necessário. (Aliás, quando é? Tudo na Natureza está em fluxo constante, que é o que Heráclito quis dizer com sua filosofia.)

Todo resultado científico inclui margens de erro que representam a precisão do procedimento. Nenhuma medida é exata. Por exemplo, quando você mede seu peso numa balança com uma escala graduada em meio quilo, a precisão da medida será no máximo de um quarto de quilo, 250 gramas; ou seja, metade da menor graduação. (Portanto, o pessimista fazendo dieta pode dizer que ganhou 250 gramas, enquanto que o otimista diria que perdeu.)

Medidas experimentais sempre incluem margens de erro. Se o resultado estiver correto, outros grupos poderão reproduzi-lo dentro do intervalo de erro aceito. Para diminuir erros experimentais (existe um outro tipo de erro, o erro sistemático, que é mais complicado), é necessário aumentar a precisão das medidas, usando equipamento melhor ou um número maior de medidas. Mesmo assim, não existe um valor final, "verdadeiro": apenas o mais preciso dentro do que é possível com a tecnologia existente.

Talvez não sejamos a medida de todas as coisas, conforme sugeriu Protágoras em torno de 450 a.C. Mas somos as coisas que podem medir. Mesmo que nossas medidas não sejam exatas, o fato de que temos um procedimento universal para distinguir o certo do errado é notável. A ciência pode não ser perfeita; mas a alternativa, o subjetivismo descontrolado, é muito pior.